Podia dizer-se que é uma história de amor, mas é uma questão de gosto, puro gosto, que está por detrás do restaurante Bocados. O gosto pela boa cozinha, o prazer da mesa e o gosto de bem-receber. São bocados de prazer e felicidade com que o casal Maria Palmira e José António brindam aqueles que os visitam. Sim, visitam, porque mesmo aqueles que chegam como clientes acabam por sair como amigos, que se transformam em visitas a cada regresso à casa dos arredores de Ponte de Lima.
E é assim também porque este é um restaurante especial. E nem só pelo menu e conceito gastronómico. É especial ainda porque somos acolhidos como se de convidados se tratasse, de visitas que o casal anfitrião procura tratar com desvelo e carinho.
Desde logo pelas instalações: não há placas, reclamos ou portas franqueadas. Uma moradia com quintal e jardim, como todas as outras que a rodeiam, e um portão lateral semi-aberto com a aparência de um normal de acesso à garagem.
Dificilmente se vislumbra a discreta placa de ferro, castanha, a dar conta do restaurante. Há que descer pela rampa ajardinada até à saleta, no piso inferir, que oferece vistas arejadas sobre jardins e quintais. É o Minho, que se mostra particularmente exuberante e arrumado por estas terras do vale do Lima.
Peculiar é também o conceito gastronómico. Não há lista, pratos do dia ou especialidades, dependendo os comeres de cada dia dos produtos de temporada e daquilo que oferece o mercado. A refeição é composta por bocados diversificados e um prato de substância para fecho. É o menu Bocados (27,50€), que permite petiscar coisas tão diversas como escabeches de lampreia ou coelho, umas lascas de bacalhau, mariscos, açordas, arrozes e refogados, até retumbantes cabidelas ou assados.
E a surpresa é total. Não só pelos sabores sempre muito bem trabalhados como pela elaborada simplicidade com que tudo chega à mesa. Cozinha tradicional, de acento minhoto, naturalmente, mas de uma sensibilidade, elegância e gosto arrebatadores.
Situado nos arredores da vila mais antiga de Portugal, está como que escondido na encosta nascente de Ponte de Lima mas não é assim tão difícil lá chegar. À entrada da vila, na rotunda do Tribunal, tome-se o rumo oposto ao centro urbano, em direcção ao Monte da Madalena. Subindo um pouco, há que optar pela via da esquerda e subir de novo pouco mais de um quilómetro pela sinuosa estradinha. Lá ao cimo, onde o muro branco está mais recuado e permite o estacionamento, está o Bocados à sua espera.
Por estes dias de canícula, optámos por montar mesa no espaço exterior, à sombra de um vigoroso cedro e aproveitando a brisa e os aromas frescos das flores e da relva.
Para abrir as hostilidades, queijo chèvre, a derramar-se pelo calor do forno, com tiras de laranja cristalizada. O doce e o amargo para afinar o palato.
Como segundo bocado, as costeletas marítimas: lombos de sardinha panados, crocantes e saborosos a pedir a envolvência fresca e acidulada do Muros de Melgaço, um branco da casta Loureiro que é ícone da região.
Petiscaram-se depois uns envolventes pimentos vermelhos recheados com chouriço e atum e um molho espesso de queijo e ovos, a pedir um vinho de maior volume e corpo. Saltou o Alvarinho Alvaianas de 2014, que mostra já algumas virtudes de evolução e está perfeito para consumo.
A tal elaborada simplicidade numas ovas de bacalhau, fritas e envoltas em ovo com aparência de pataniscas. Uma delícia na envolvência com aveludada açorda, igualmente com ovas de bacalhau.
O fim de tarde, os aromas de campo, a brisa fresca, os vinhos e a broa de milho (excelente) suscitaram conversas à volta de arrozes caldosos. Atentos, os anfitriões soltaram então um tacho com arroz de polvo. Copioso! Envolvência, aroma, sabor e uma adorável frescura de boca feita só de tomate, pimento e coentro, que se devorou até ao exagero.
Se o polvo pede tinto e, como sentenciou um dos comensais, “em terra de lobos uiva com eles”, era obrigatório provar um Vinhão. Boa surpresa com o Paço Velho (ver critíca de vinhos), cujo vigor tânico, fruta e acidez acabaram por dar evidência à excelência do arroz.
Para sobremesa, não podia faltar o pudim Abade de Priscos, numa versão mais contida, com apenas (!) 14 ovos, elegância, textura e sabor de mãos de fada.
Maria Palmira e José António dizem, no sítio da Internet, que o restaurante concretiza o desejo de ambos de “ter um pequeno restaurante assente no conceito de degustação de pequenos pratos com variados sabores”. Abriram há quase 20 anos e começou por funcionar como bar de tapas e restaurante e evoluiu depois para a lógica de restaurante bistrô.
E bem se percebe que a clientela não se contentasse com as pequenas degustações. A par da cozinha com memória, sabores, conhecimento e modernidade, apetece ficar e tudo acaba por ser um conjunto de agradáveis surpresas. Não só pela sequência do menu, mas também pelo ambiente sossegado e acolhedor.
Porque o casal tem que contar com as visitas e não há lugar para mais que vinte pessoas, há que telefonar com umas horas de antecedência. José António trata do serviço, Palmira da cozinha. É todo o pessoal.
À competência, gosto, dedicação e conhecimento, juntam uma desarmante e ternurenta modéstia. Mais que o negócio, percebe-se que há ali puro prazer gastronómico, gosto em receber e dar prazer e satisfação. Só temos que agradecer!
- Nome
- Restaurante Bocados
- Local
- Ponte de Lima, Arca, Rua de S. Mamede de Arca, 89
- Telefone
- 258 942 501
- Horarios
- Segunda-feira, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado
- Website
- www.restaurantebocados.pt
- Cozinha
- Trad. Portuguesa
