Depois de um arranque em falso, o luxuoso restaurante do hotel da Baixa do Porto oferece agora uma cozinha de inspiração portuguesa, com produtos genuínos e de temporada. Com o talento e a garra de Pedro Sequeira, um chef que promete fazer figura na nova geração de mestres dos fogões.
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Não é impunemente que se ocupa um espaço central e histórico na Baixa do Porto com negócio de cafetaria ou restauração e o Astória não foge à regra. Sempre ciosos do seu património e pergaminhos, os portuenses tendem a comportar-se como empenhados vigilantes face ao que possam aperceber como apropriação ou ofensa à memória e imaginário colectivos. É ver o aplauso e carinho com que receberam o rigor nos restauros de cafés como o Guarany ou o Majestic, a forma cruel como ostracizaram A Brasileira (que entretanto fechou) depois de uma intervenção “modernizadora”, ou o permanente escrutínio exercido sobre a apropriação do Imperial pela MacDonald''s.
Neste último caso, em meados da última década do século passado, a cadeia americana teve que proceder ao restauro integral de todo o mobiliário e decoração, mantendo igualmente intacta a fachada e organização do espaço. Interessante foi o que se passou nos dias seguintes à reabertura. Os portuenses não aceitavam que no Café - como ainda o viam - não houvesse café e os responsáveis pelo espaço levaram poucos dias a instalar a máquina para servir o reclamado “cimbalino” e consta até que foi assim que descobriram uma nova vertente para o seu negócio, passando a vender café em milhares de espaços espalhados pelo mundo.
Embora o Café Astória tivesse sido ocupado pela banca no já longínquo início dos anos setenta, os aplausos e manifestações de entusiasmo multiplicaram-se com o anúncio, há cerca de três anos, de que o espaço recuperaria a antiga função com o restauro do Palácio das Cardosas e a abertura do Hotel Intercontinental.
A expectativa era elevada e idêntica foi a desilusão quando perceberam que tudo não passava, afinal, de uma iniciativa simbólica. Estavam fechadas as antigas portas voltadas para a estação de São Bento, o acesso fazia-se pela luxuosa, e inibidora, entrada do hotel, e com preços, serviço e ambiente a sugerir tratar-se de um espaço exclusivo para fruição dos hóspedes do hotel.
Sem gente e transformado numa espécie de espaço-fantasma, o café deu lugar ao restaurante Astória, com uma pequena esplanada e porta aberta para a Praça da Liberdade. Ao falso arranque - e nunca há uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão - somaram-se alguns equívocos com a cozinha do hotel, pretendendo um posicionamento internacional e ignorando os produtos tradições e cozinheiros indígenas. Só podia dar no que deu - até que há cerca de um ano os responsáveis pelo hotel decidiram arrepiar caminho.
É neste quadro que Pedro Sequeira assume a responsabilidade pela cozinha. E não é fácil, como se depreende, mudar as coisas de um dia para o outro. Com a energia e determinação de quem sabe ao que anda, o jovem chef foi introduzindo o seu conceito e formatando a equipa, numa evolução que terminou com a introdução da carta de Inverno, que vigora desde Novembro passado.
Pratos de inspiração portuguesa, com produtos nobres e de temporada, e alinhados com conceitos e técnicas do nosso tempo. Além da exigência de permanente ligação com o receituário, produtos e tradição nacionais, é visível também um apurado cuidado estético e o esforço de contenção nos preços.
Da nova carta, tivemos já oportunidade de, em dois momentos distintos, confirmar essa completa viragem na cozinha do Astória. Produtos como castanha, alheiras, cogumelos, bacalhaus ou peixes da nossa costa preenchem a oferta, que se mostra variada e apelativa.
Além do “Menu Sabores de Inverno”, entre os 30 e 40 euros, consoante se opte por três ou quatro pratos, há a “Selecção do Chef” com propostas mais alargadas (45/55 euros para mesma lógica de três ou quatro opções), a que se junta o serviço à carta, que se desdobra em seis propostas para mariscos, outras tantas entradas e mais cinco opções nos peixes, carnes e sobremesas. O “Menu Degustação” (65 euros; mais 35 para a sugestão do sommelier) é composto por seis momentos, com uma entrada e duas sobremesas.
Deste conjunto provaram-se, em ocasiões distintas, como já se disse, a alheira de Vinhais em terra de boletos, ovo perfeito e cogumelos do bosque, numa execução de aprimorada técnica e apuro de sabores. Ovo de cozedura muito lenta, “terra” de cogumelos e o sabor e aromas rústicos do bosque.
De grande elegância o carpaccio de choco com algas e uma vinagreta de ervas, tal como o lombo de truta arco-íris marinada, que é servido com puré de aipo e beterraba. O cuidado no empratamento é igualmente evidente no filete de robalo do mar que acompanha com mousse de brócolos, cubinhos de batata violeta e molho de chalota. Criativo o exercício de desconstrução de uma caldeirada de peixe, que é aromatizada com coentros e concentra de forma perfeita todos os aromas e sabores do típico cozinhado.
Nas carnes, irrepreensível, e, mais uma vez, muito elegante, o carré de borrego que acompanha com a muito nossa esmagada de castanha, puré de nabo e cogumelos chanterelle. Na mesma linha o naco de novilho maturado 21 dias, que vem à mesa com saborosa batata rosti e molho de tomilho.
Sobremesa com uma vistosa, elegante, fresca e muito gulosa pêra em vinho tinto com parfait de maçã reineta e crocante de caramelo, da qual já aqui falámos em pormenor na edição especial da Fugas dedicada aos vinhos de Inverno.
Importante é registar também que, para as pressas do dia-a-dia, ao almoço, há um “menu executivo” que tanto pode constar apenas de um prato principal (12€), como pode incluir entrada ou sobremesa (17€) ou as três variantes (20€), incluindo sempre o couvert, uma bebida e café.
É por de mais evidente que há um antes e um depois da chegada de Pedro Sequeira a este Astória, que é hoje um lugar bem convidativo, com propostas que, sendo de grande exigência e apuro culinário, não deixam de expressar o melhor e o genuíno dos produtos e da gastronomia nacional.
É claro que nem tudo são, ainda, rosas neste esforço de recuperação, mas o mais importante por agora é sublinhar a qualidade do trabalho de cozinha, sendo que tudo o resto se afina com a afluência de clientes e as rotinas daí decorrentes. Uma coisa que não ajuda são os preços na lista de vinhos, por vezes algo exagerados. Mesmo assim, é possível encontrar propostas equilibradas, como foi o caso do bairradino Ensaios (16€) da criativa Filipa Pato, que aguentou com grande satisfação todo o exigente cardápio da mais recente visita.
Num contexto cuidado e elegante, o serviço é a condizer. E os largos janelões com vista para alguns dos mais nobres espaços da Baixa portuense um aliciante extra.
Nome
Astória
Local
Porto, Sé, Praça da Liberdade, 25
Telefone
220035600
Horarios
Domingo, Segunda-feira, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:30 às 15:00 e das 19:30 às 22:30