Fugas - restaurantes e bares

  • Enric Vives-Rubio
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A filosofia de uma pizza perfeita, por Vítor Cunha

Por Alexandra Prado Coelho ,

Abriu no Parque das Nações, em Lisboa, e tem na cozinha – e, mais importante do que isso, no impressionante forno – Vítor Cunha, que durante muitos anos trabalhou na pizzaria Casanova. Apesar de ter apenas cinco meses, a Forneria já ganhou até um prémio no Madrid Fusión.

Lisboa tem espaço para uma nova pizzaria? Rui Matos e Joaquim Nico, os dois sócios que há cinco meses abriram a Forneria no Parque das Nações, não tinham dúvidas nenhumas sobre isso. E, a julgar pela casa cheia que aí encontramos num dia de semana, tinham razão.

Mas, explica Joaquim, esta não é apenas mais uma pizzaria. Rui e Joaquim foram buscar um trunfo de peso: o chef Vítor Cunha, que durante 17 anos foi o pizzaiolo do Casanova e que ansiava pela oportunidade de se lançar em voos mais altos. Aqui encontrou espaço para isso e não esconde a satisfação que sente.

“O grande segredo para as pessoas vencerem é estarem dispostas a sacrificar o seu tempo”, diz. “Desde os 18 anos que soube o que queria fazer e que tinha que me empenhar, aprender, ir a Itália tirar cursos. Foi o que fiz toda a vida. Todos os anos juntava uns trocos e ia a Roma, a Florença, a Nápoles, aprender com a velha guarda italiana aquelas coisas que fazem a diferença: como se faz um molho de tomate, como se escolhem enchidos de qualidade.”

Partindo da massa leve e estaladiça que desenvolveu ao longo de anos de trabalho, Vítor tem na Forneria margem para criar pizzas diferentes — além de desenvolver outros pratos que vão entrando na carta à medida que sente que estão como ele quer. Neste momento está a trabalhar nos risottos, que começarão a ser servidos na Forneria assim que entrar um ajudante para a zona das pizzas. Um risotto exige 20 minutos de trabalho e, por enquanto, Vítor não pode tirar esse tempo às pizzas durante o serviço de almoço ou jantar.

Traz à mesa o primeiro prato, uma entrada que é um rolo de massa de pizza recheado com queijo e trufa e com presunto de Parma, acompanhado por uma salada de rúcula temperada com o pesto da casa, feito com pinhão e dois outros frutos secos, e senta-se para conversar um pouco. Começamos mesmo por esse tema que dava para um tratado de filosofia: o que faz, afinal, uma boa pizza? A massa, claro, que, explica, “tem que ser feita pela mesma mão porque quando existem várias mãos a mexer no mesmo produto já não é a mesma coisa”.

As pessoas que Vítor está a formar agora precisam de um ano para entender verdadeiramente o comportamento da massa. “Estamos a falar de uma massa com pouco fermento, menos de um grama por quilo, para ser leve e não trabalhar no estômago. Mas para saber a quantidade de fermento é preciso fazer cálculos em função da temperatura e da humidade que estão lá fora.” Daí a necessidade de se deixar passar um ano — a massa no Inverno não se comporta como a massa no Verão. E, atenção, porque o ar condicionado também pode deixá-la mais seca.

Foram, para Vítor, muitos anos de aperfeiçoamento e agora, que tem a sua fórmula mágica, lança-se em novos desafios. “Tenho outras duas massas diferentes, uma verde, com espinafre, e outra negra, com tinta de choco. Mas para se conseguir uma boa panificação, em termos de temperatura e de forno, com a massa preta, é preciso um grande jogo de cintura.” É preciso ter em conta a humidade que a tinta de choco introduz.

Podíamos estar horas a ouvir Vítor Cunha falar sobre os mistérios da massa e a importância de uma fermentação longa, mas as pizzas têm mais ingredientes e aí os dois sócios da Forneria quiseram “apostar na diferenciação”. Agora é Joaquim quem conta: “Fizemos várias visitas a Itália para avaliar a possibilidade de trazer bons produtos para Portugal. Fomos ao Sul de Nápoles, à Campânia, a terra da mozzarela e da burrata. Fizemos um levantamento do que existe e decidimos que, para chegarem aqui em condições óptimas, as nossas têm que vir de avião.”

Depois de uma primeira viagem, ainda sem o Vítor, fizeram uma segunda, já acompanhados pelo chef. “Estivemos na pizzaria mais antiga de Nápoles, a Da Michele [fundada em 1870] e conseguimos saber qual a mozzarela que eles usam”, conta Joaquim. “Vimos coisas fabulosas.” Provamos primeiro a pizza pela qual os verdadeiros entusiastas gostam de medir a qualidade de uma pizzaria: a Margherita, a mais simples de todas e, por isso mesmo, a que não engana no seu delicado equilíbrio entre a massa, o queijo e o molho de tomate.

O menu inclui as clássicas e as sugestões gourmet, nas quais Vítor Cunha usa a criatividade e produtos mais diferenciados para as suas pizzas “de assinatura”. Uma das que mais se orgulha é a Pata Negra, que faz com presunto Joselito de 24 meses. Mas tem também a spek, a de trufa branca ou a Forneria, com panceta.

E falta falar do último — mas essencial — elemento para que o resultado final seja perfeito: o forno. Foi outra aventura, conta Joaquim, recordando como praticamente não coube pela porta. Depois de andarem a estudar vários tipos de fornos, concluíram que era alto o risco de racharem a 300 graus, como está neste momento o forno para o qual continuam a entrar pizzas, que saem estaladiças pouco depois.

Acabaram por optar por um forno Acunto, feito em Nápoles, “com argila do Vesúvio”. São 2500 quilos de forno, que veio de camião de Itália até Barcelona e de Barcelona para Lisboa. “Foi a primeira coisa que entrou no restaurante”. Chamam-lhe o “mestre de cerimónias” porque tudo passa por ele. Vítor recorda que na primeira queima, em que podia ir apenas até uma certa temperatura, “parecia uma lagosta suada”. Agora, depois de se ter “cozido a si próprio”, está afastado qualquer perigo de rachar e trabalha aqui todo o dia sem fazer fumo.

E, já agora, é aconselhável não sair da Forneria sem experimentar as sobremesas — clássicas, mas com pequenos detalhes introduzidos por Vítor (a mousse de chocolate, por exemplo, leva mascarpone e vale mesmo a pena).

Com a casa aberta há pouco mais de quatro meses, Rui, Joaquim e Vítor estão encantados com o sucesso. De tal forma que não param de fazer planos. “Vamos abrir um outro espaço ainda este ano”, conta Joaquim. “E queremos voltar a Itália porque há ainda tanta coisa a descobrir do trabalho dos pequenos produtores artesanais e, se começarmos a ter alguma dimensão, torna-se mais interessante para eles trabalharem connosco.” A Forneria está, portanto, para ficar — e para se multiplicar.

Um hambúrguer em massa de pizza

Vítor Cunha diz que nunca pára de ter ideias e foi num momento desses que se lembrou: e por que não colocar um hambúrguer dentro de uma pizza? Não se trata de uma calzone, mas sim de um hambúrguer (e já explicamos por que é que é especial) envolvido numa massa muito leve, num óptimo equilíbrio.

Foi com este “Hambúrger Gourmet de Gorgonzola e Trufa” (que já faz parte da carta da Forneria) que Vítor Cunha e a Forneria ganharam, no final de Janeiro, no festival Madrid Fusión o prémio Panini. O júri gostou “da leveza da massa e do voltar às origens, a farinha, o pão, o forno a lenha”. E a carne, claro, que é de um produtor alentejano, misturada com enchidos italianos, panceta e ervas aromáticas, recheada com gorgonzola e trufa e envolvida na massa de pizza com 48 horas de fermentação.

Depois da vitória em Madrid, o mestre pizzaiolo está ansioso por outros desafios. E já sabe qual vai ser o próximo: “Estamos a trabalhar numa pizza diferente para apresentarmos no concurso mundial de pizzas.”

Nome
A Forneria – Restaurante e Pizzaria
Local
Lisboa, Lisboa, Via do Oriente, 16 E, Parque das Nações
Telefone
933 294 274
Horarios
Domingo, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:00 às 15:30 e das 19:00 às 23:00
Website
www.pizzariaforneria.pt
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