Fugas - restaurantes e bares

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De sashimi a ensopado de enguias, aqui aceitam-se desafios

Por Alexandra Prado Coelho ,

Uma vista extraordinária sobre o Tejo e Lisboa, uma cozinha que pode ser japonesa, portuguesa ou o que os clientes quiserem, um forno de lenha, uma horta biológica, um chef que traz todos os dias peixe fresco de Setúbal. E isto existe? Existe, sim.

Não é fácil resumir o que Luís Barradas está a fazer no Tago’s, em Almada. E isso é bom, porque significa que é uma cozinha que não encaixa em conceitos de marketing ou em rótulos. Mas — pelo menos no caso do menu que a Fugas provou — é de uma extraordinária qualidade. E isso faz do Tago’s neste momento um pequeno paraíso (ainda) meio secreto.

A Quinta do Tagus Village fica na margem sul do Tejo, no Monte da Caparica, a — literalmente — dez minutos de Lisboa e é um pequeno hotel, com nove quartos quase sempre ocupados por hóspedes estrangeiros (os holandeses descobriram-na e nunca mais deixaram de vir). Tem uma piscina, belos cavalos brancos, uma vista deslumbrante sobre o Tejo e Lisboa. E tem, agora, uma pequena horta biológica onde Luís Barradas cultiva alguns dos vegetais que usa na cozinha.

Sim, chefs com hortas próprias, já ouvimos falar disso muitas vezes. Mas é inegável que há enormes vantagens em poder ir ali ao lado buscar os ingredientes para cozinhar, dos legumes à madeira de cedro da mata, que usa para os cozinhados no forno a lenha. Além disso — ou mais importante do que tudo o resto — Luís é de Setúbal e todas as manhãs, antes de aqui chegar, passa pelo Mercado do Livramento (faz também visitas guiadas para quem estiver instalado no hotel e tiver interesse nisso) e traz peixe fresco do dia.

Isto significa que podemos optar por um dos menus de inspiração japonesa e peixe português, ou simplesmente pedir a Luís Barradas que nos prepare uma bela cabeça de peixe cozida com legumes, tal como podemos pedir uma refeição mais leve ao pé da piscina ou numa mesa perto do forno de lenha.

“A minha formação base é a da cozinha francesa: sabor, sabor, sabor e aproveitar tudo”, explica. “Depois tenho outra grande influência que é a da cozinha japonesa, a precisão, a simplicidade, deixar o produto falar. Sigo a linha kaiseki, o respeito pelas estações, o produto no seu melhor.”

Diz não aspirar a estrelas Michelin porque sabe que na alta cozinha é muito valorizada a consistência: todos os pratos exactamente iguais, a temperatura de confecção medida ao milésimo de grau e de segundo, sempre exactamente igual. Ele prefere aquilo a que começa por chamar “a imperfeição” que existe na cozinha japonesa, mas que depois corrige, procurando outra palavra. “Não é exactamente imperfeição, é assimetria, é aquilo que encontramos na natureza. No Japão não há dois pratos iguais.”

Esta liberdade reflecte-se também na forma que tem de trabalhar no Tago’s, onde chegou há um ano. Os menus existem, claro, mas o restaurante propõe também aquilo a que chama “exclusive experience”. Ou seja, é possível telefonar (de preferência com alguns dias de antecedência) e encomendar qualquer prato do receituário tradicional português a alguma especialidade indiana ou marroquina — desde que Luís Barradas a saiba fazer.

Começou a sua carreira na cozinha em Londres, onde aprendeu pratos de diferentes cozinhas do mundo, antes de se concentrar mais na japonesa, que elegeu depois como predilecta (trabalhou em restaurantes em que o ordenado era só o almoço, mas aprendeu imenso observando e provando), passou depois dois anos e meio em Marrocos e já fez consultorias em Espanha e em França. Em conversa, tanto elogia a comida tradicional inglesa, do sunday roast à shepherd’s pie, como se lança a descrever o que comeu durante uma recente viagem à Índia, de onde veio carregado de especiarias.

Desafiem-no, portanto. Se não souber como se faz, promete que vai procurar nos livros de Maria de Lourdes Modesto e recorrer às memórias das melhores refeições que tem provado em pequenos restaurantes escondidos nos sítios mais inesperados de Portugal. “Se as pessoas pensarem ‘onde é que posso comer uma cabeça de peixe?’, aqui é o sítio perfeito para isso. Tenho imensas cabeças, trago-as de manhã do mercado. Um ensopado de enguias? Um choco frito? Uma feijoada de choco? Esse tipo puro e duro de comida tradicional de conforto, consigo fazer todos os dias. Para coisas mais complexas, preciso de uns dias de aviso.”

Mas o que viemos hoje provar não tem nada a ver com isto. A proposta é (com alguns desvios para provar outras coisas) um dos menus sempre disponíveis, Do Japão ao Tagus (60 euros por pessoa), que começa com pickles feitos com legumes da horta, nabo, tomate, pepino, e ainda uns caules de azedas. Estas estão lá, explica Luís, não porque se tenha tornado moda apanhar ervas selvagens, mas porque ele sempre o fez. “Desde pequeno que ia para a escola e no caminho apanhava azedas para comer. A salicórnia que antes se mandava vir da Holanda muito cara, sempre a tive nos sapais do Sado. Íamos andar de bicicleta para a Setenave e comíamos.”

Os pickles, seguindo a lógica da refeição kaiseki japonesa, servem para abrir o apetite para o que se segue: um suimono de santola do Sado, um caldo com algas — “um daqueles pratos onde se vê a técnica do chef”, sublinha João Silva, director da Quinta do Tagus e responsável pelo restaurante.

Com o estômago reconfortado pelo caldo delicioso, é tempo de passarmos para o sashimi “Da Trafaria a Setúbal”: tataki de carapau, cavala curada em sal e marinada em vinagre, fataça, pregado, atum dos Açores e vieira do Canadá (as únicas excepções geográficas), e um salmonete fresquíssimo do qual se comia tudo, incluindo a cabeça e as espinhas fritas, salpicado com pó do fígado desidratado e acompanhado por molho ponzu.

Segue-se o “robalo queimado”, ou seja, braseado, com coulis de coentro e batata-doce de Aljezur em versão palha finíssima, “um prato desenvolvido pelo chef Nobu Matsuhisa [do restaurante Nobu, em Londres] há 18 anos, para aproximar o sashimi dos gostos ocidentais”.

Depois vem um impressionante gunkan de ostra de dois anos, com o músculo a envolver o arroz e servido sobre uma pedra de sal. E logo de seguida os niguiris: de vieira com pó de vieira desidratada após uma cura de três dias em sal; de salmonete com bisque das cabeças e fígados desidratados; de bacalhau com azeite e alho; de carapau com óleo de coentros e pimentos assados. Seguiu-se um caranguejo de casca mole em tempura e rolinhos de caranguejo do Sado

Outro prato resultante do cruzamento de culturas é o chamado sakana namban, ou seja, peixe à moda do bárbaro, que é como quem diz em tempura como os portugueses ensinaram os japoneses a fazer — e este patruça (peixe da família do rodovalho) em tempura com um caldo dashi era excepcional. E, para terminar o peixe, um prato de homenagem à algarvia Noélia, do restaurante com o mesmo nome, pregado com arroz de yuzu, com salicórnia e beldroegas do mar.

Antes do “falso crème brulée de dióspiro” com que terminámos (“Ainda tenho que trabalhar mais nas sobremesas”, confidenciou o chef), houve ainda um black angus maturado (português) com legumes assados, puré de aipo e batata assada, que deixou rendido até quem imaginava que não conseguiria comer nem mais um tomate cherry.

Ideias não faltam a Luís Barradas. A ideia é utilizar cada vez mais os produtos da região, dos vinhos de Setúbal ao novo arroz japónico que estão já a desenvolver com a Herdade da Comporta, além de vir a fazer azeite na propriedade. Em breve, chegará também a nova louça, criada para o Tago’s por designers das Caldas, para que cada prato seja realmente único.

E, já sabe, se por alguma razão obscura o menu acima descrito não lhe agradar, pode sempre ligar para o Tago’s e pedir qualquer coisa que lhe apeteça muito, de um arroz de javali a uma cabidela de galo, de um ramen a uma caldeirada à fragateiro ou a um cabrito assado no forno de lenha.

Nome
Tago’s
Local
Almada, Almada, Quinta do Tagus Village. Monte da Caparica
Telefone
212 950 334
Horarios
Domingo, Segunda-feira, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira, Sábado e Feriados das 12:30 às 15:00 e das 19:00 às 23:00
Website
http://quintadotagus.com/
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