Fugas - restaurantes e bares

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Cozinha simples e sabores da aldeia

Por José Augusto Moreira ,

Pernil assado, arroz de feijão vermelho, entrecosto e peixes grelhados no carvão. Na casa Zé Pinto, Lisboa, associa-se o estilo, petiscos e sabores populares a uma orgulhosa estética benfiquista,

Ainda há quem lhe chame tasca, mas na casa Zé Pinto há muito que a clientela trocou os petiscos ao balcão e a toda a hora por confortáveis refeições sentadas e em horários mais ou menos convencionais. “Foram os petiscos ao balcão e o vinho de pipa de Aveiras que lançaram uma casa típica do Calhariz de Benfica”, como contava o PÚBLICO há mais de 20 anos numa crónica que está agora encaixilhada numa das paredes da casa. Já nesse tempo, no entanto, os pipis, os torresmos, “as iscazinhas”, sardinhas assadas e peixes fritos tinham passado para “o menu aplicável aos mais de cem lugares sentados”. 

Então como hoje, a “grande vendedeira da casa” era o entrecosto grelhado com arroz de feijão. “Este prato, que há sempre, começou por uma brincadeira de uns madeireiros de Lamego que aqui vieram fazer um piquenique na mata. Mais tarde quiseram mais e, então, começamos a trabalhar em grande”, contava o proprietário, também oriundo da beira Douro (São João da Pesqueira). Um episódio que bem pode explicar o sucesso da casa que, com as necessárias adaptações, se mantém fiel ao padrão original: cozinha simples e sabores da aldeia. 

O negócio foi entretanto trespassado e embora José Pinto já não ande por ali, o legado mantém-se intacto. Da culinária ao fervor benfiquista, que é outra das marcas da casa. Eusébio acompanha-nos por todo o lado, há símbolos em crochet, imagens de dirigentes e personalidades ligadas ao clube decoram as paredes. E à apurada estética benfiquista associa-se até uma suposta culinária clubista, com loas ao “arroz lampião” (pelo feijão vermelho, presume-se) igualmente afixadas. De tal modo que um fervoroso portista que tinha sido convocado recusou o repasto. Ia cair-lhe mal, estava seguro. Mesmo sem conhecer a ementa! 

O restaurante ocupa um antigo armazém de carvão, “propriedade municipal”, como indica a placa afixada na fachada, cujas traseiras ficam coladas à Estrada de Calhariz de Benfica. Há um largo envolvente e, em frente, num plano mais elevado, uma curiosa praceta onde se destaca a pintura ocre da fachada e campanário de uma pequena capela: “Igreja Ortodoxa de Portugal, Catedral de S. Martinho de Dume”, indica a placa. 

Ainda lá está o balcão da antiga tasca, mas a porta de acesso está fechada e o espaço parece estar agora apenas destinado ao pessoal de serviço. Entra-se pela porta ao lado, pintada de vermelho, claro, por onde se acede à sala principal, o “museu”, onde domina a estética benfiquista. Há um segundo espaço, com comunicação visual através de dois janelões com grade de ferro, e ainda um terceiro, mais pequeno e em convivência com os grelhadores a carvão. 

Apesar do ambiente simples e popular, a clientela é ecléctica. Pontifica o arroz de feijão, servido em taças de cerâmica, sobre as mesas cobertas com toalhas de papel branco. A baixela é igualmente simples, mas adequada, mesas alinhadas para ganhar espaço e cadeiras em madeira. 

A ementa do dia, manuscrita e fotocopiada, propunha sopa de espinafres (1,50€), carapaus grelhados com molho à espanhola (6,50€), dourada, salmão, chocos e peixe-espada para grelhar (9,50€ cada). Oferecia-se ainda pregado para duas pessoas (28€). Nas carnes, pernil assado no forno (9,50€), coelho à caçador (8€), iscas e carne de porco alentejana (6/8€). Ao entrecosto grelhado que é bandeira da casa, juntavam-se ainda os costumeiros secretos, plumas, febras e lombinhos de porco (6/9,50€); bitoque, picanha, bife de vitela e costeletas de novilho (6,50/10,50€). 

Esgotados que já estavam os carapaus, pediram-se as pataniscas de bacalhau, entrecosto, coelho e pernil. Competentes e saborosas as pataniscas, se bem que ainda levemente engorduradas. Textura firme e crocante, cebola, salsa, bacalhau no ponto com lascas firmes e gelatinosas. Ou seja, como já raramente se encontra fora do contexto de aldeia.

O mesmo parece ser o segredo para a procura do entrecosto e o arroz de feijão: coisas simples, sabor e conhecimento dos produtos. Carne entremeada com gordura saborosa, assada no ponto certo e em resquícios ou sujidade do carvão, que acompanha com batatas fritas, douradinhas e crocantes nos seus palitos irregulares de corte caseiro. No arroz, calda abundante, feijão rajado e a goma do carolino (sim, é fundamental o arroz carolino) cozinhado com mão segura a fazer o resto. 

Quanto ao “coelho à caçador”, aparece envolvido num molho dourado que parece resultar de um sápido refogado com azeite, cebola, alho, louro e tomate. Tal como todos os outros pratos, chega à mesa em reluzente travessa de alumínio e acompanha com as tais batatas fritas aos palitos. É também com sabedoria e temperos de aldeia que assa o pernil. Naco avantajado em forno lento que absorve aromas de ervas e liberta gordura até que a pele se torne crocante, as carnes macias, suculentas e a despregarem-se do osso.

Nas sobremesas, também o leite creme, pudim e farófias (1,80€ cada) se mostraram competentes e com sabores a remeterem para a memória dos avôs. Sobretudo as farófias, com claras, “doce de ovos e canela”, mas também pelo amarelo dos ovos e açúcar torrado do creme, e a miniforma de alumínio em que é feito o flan.

É, pois, com uma cozinha simples e de gosto popular que o Zé Pinto parece ter conquistado o palato da farta clientela. A questão é que a simplicidade culinária nem sempre é a coisa mais fácil. Exige o conhecimento dos tempos, o saber da tradição, critério e cuidado na escolha dos ingredientes. Coisas cada vez mais raras e difíceis de encontrar na modernidade urbana. 

Ao sucesso culinário e serviço eficiente a atencioso, este Zé Pinto bem poderia acrescentar uma oferta um pouco mais abrangente e criteriosa de vinhos. É certo que o “vinho verde da casa” e as escolhas básicas de Alentejo, Dão e Douro correspondem ao estilo popular do clube da águia, mas estamos convictos de que o fervor benfiquista sairia a ganhar com uma escolha mais abrangente e criteriosa.
 

Nome
Zé Pinto
Local
Lisboa, Benfica, Largo General Sousa Brandão, 2
Telefone
217787783
Horarios
Segunda-feira, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado
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