Lisboa, cidade-capital, deve ter lugar para tudo. Para o que é nosso, não só dela, mas nosso, de todo o país, e para o que é de todo o mundo. E há cada vez mais em Lisboa. Só nos minguam as comidas da Grécia, havendo, no entanto, muito de Itália (há quem entenda que de mais), bastantes sino-japonesas (curiosa aliança), suficientes tailandesas, algumas africanas (cabo-verdianas, angolanas, moçambicanas, marroquinas), da Índia, Nepal, do Japão, de França, da Alemanha, dos EUA... Quer dizer, em Lisboa come-se de tudo. Até, em lugares cada vez mais sofisticados, comidas ditas "de autor", que sintetizam experiências diversas, imprimindo-lhes, nos casos de maiores conhecimentos e mais talento, uma marca pessoal. Embora se esteja a abusar da qualificação de "chef" ou de "chefe". Na maior parte dos casos, trata-se de cozinheiras e de cozinheiros, qualificados, sem dúvida, com gosto e jeito, e não de "chefes", pois não dirigem ou orientam brigadas de cozinha e não inventam ou criam novas receitas. Ou seja, prolifera por aí algum provincianismo, muito autoconvencimento e ignorância atrevidota. Adiante, que o Verão ainda não terminou.
O Chiado é, historicamente, um lugar emblemático de Lisboa. Ultimamente tem aberto por lá muita casa de comida. Em grande parte com cozinhas "de fusão", diz-se. Mas também coisas de outro estilo. Como é o caso deste Aqui Há Peixe, de Miguel Reino, cuja cozinha conheci, há uns anos, na praia do Pego, no Carvalhal (Comporta), num lugar com o mesmo nome do actual. Após um almoço e um jantar recentes neste Aqui Há Peixe lisboeta, o que posso dizer é que Miguel Reino se mantém fiel à filosofi a culinária do seu chiringuito da Praia do Pego: peixes frescos grelhados, acompanhados por batatas cozidas com a pele e legumes frescos também cozidos, mais uns bifes de boa carne e umas sobremesas recomendáveis. Uma escolha limitada de vinhos, mas a preços razoáveis, um serviço informal e simpático. Ir à espera de outra coisa é um erro. Ao almoço (nos primeiros meses só se serviam jantares) há um prato do dia, a 10 euros, que pode ser uma boa surpresa.
Foi o que sucedeu no dia 17 de Agosto (o Aqui Há Peixe fechou para férias em Julho, ainda bem), com uma raia de tomatada. Fresquíssima, cozida no ponto, isto é, lascante e com o seu sabor delicado em relevo, envolvida num molho suave de tomate maduro, acompanhada por uma batata grande, de polpa amarela, excelente, cozida com a pele. O outro prato pedido (um dos fixos da ementa) foi o bife de atum fresco salteado no azeite (16,50 euros), servido na companhia de cenouras e feijão verde e batata cozida com a pele, confecção sem mácula, com o atum, cortado fino, muito mal passado, uma delícia. Já as entradas foram menos entusiasmantes. Bem os petiscos variados (7,50 euros): três travessinhas de saladas de feijão frade, de grão-de-bico com bacalhau e de fígados de tamboril, bem avinagradas, o que não agradará a todos. Já os choquinhos de pé descalço (11 euros), feliz receita algarvia, na qual os cefalópodes pequeninos são salteados em azeite a dentes de alho esmagados com a sua camisa, saiu prejudicada pela congelação dos bichinhos. Estes, pescados na foz de alguns rios e rias da nossa costa, têm um sabor adocicado e uma textura de grande macieza e delicadeza que não se compadecem com o gelo. Além disso, a bolsa da tinta fica granulada, coisa desagradável.
Por isso, também deixou uma marca desinteressante o arroz negro de choco (15 euros), do jantar do dia 19 de Agosto. Portaram-se, no entanto, muito bem, as entradas: ostras (seis, 12 euros), sumarentas, frescas, iodadas, os mexilhões (14 euros), cheios, fresquíssimos, cheios de maresia, um orgulho da nossa costa marítima, e os ovos mexidos com gambas e espargos (15 euros), cozinhados como mandam as melhores regras: suculentos os ovos, pouco cozinhados as gambas e os espargos. Nos conformes a picanha de tamboril (21 euros), acompanhada por arroz de cenoura e dois montinhos de espinafres cozidos, com o molho amanteigado algo aguado pela escorrência da água dos legumes. Vale a pena servir os espinafres à parte. Bem os "carabineiros à Miguel" (26,50 euros, dois), igualmente acompanhados pelo arroz de cenoura.
Das sobremesas da Mafalda (mulher de Miguel Reino) provaram-se, e aprovaram-se, as emblemáticas encharcada, a mousse de maracujá e o bolo de chocolate, todos a 5,50 euros cada, já que as boas cassata (4,50 euros) e bola de gelado de limão (2 euros) são da recomendável gelataria Veneziana. Do que nos colocam na mesa sem pedirmos, merece menção destacada um queijinho de Azeitão de Conceição Marques (4,50 euros), do melhor que se pode encontrar no mercado. Nas duas refeições beberam-se os brancos Muxagat 2008 (20 euros) e o Prova Régia 2009 (14 euros), bem bons.
Da reduzida ementa ficaram por provar a corvina à pescador e a garoupa à marinheira, bem como a sopa de peixe e as amêijoas à Bulhão Pato, que o mais é quase tudo peixe grelhado, com destaque para robalos (escalados, triste sina) e pregados. Como escrevi no final do texto que, há anos, dediquei ao Aqui Há Peixe da praia do Pego, este do Chiado também "tem tudo o necessário para uma refeição bem disposta e despretensiosa". Não lhe peçam mais. E tem a sua graça, numa casa com história, haver, já há um ano, um restaurante afreguesado com pose de chiringuito, que é o que os latino-americanos e os espanhóis chamam aos seus apoios de praia.
- Nome
- Aqui Há Peixe
- Local
- Lisboa, Lisboa, Rua da Trindade, 18A
- Telefone
- 213432154
- Horarios
- Terça a Domingo das 12:00 às 15:30 e das 19:00 às 00:00
- Website
- http://www.aquihapeixe.pt
- Preço
- 25€
- Cozinha
- Peixe e Marisco
- Espaço para fumadores
- Sim