Fugas - restaurantes e bares

DR

Foi na simplicíssima Casa da Igreja, em Cacela Velha, que comi as melhores amêijoas da minha vida

Por Miguel Esteves Cardoso ,

A última vez que fui comer amêijoas à Casa da Igreja, em Cacela Velha, foi há 20 anos. Voltei lá este Verão e, incrivelmente, estava tudo na mesma. As amêijoas continuam a ser as melhores que já comi em toda a minha vida.

Tudo é reduzido ao mínimo indispensável. Mas tudo funciona lindamente.

Não há nem pretensões nem relações públicas. Aquilo é uma casa comercial séria. As amêijoas (15,50 euros por 300 gramas), as ostras (12 custam apenas 12 euros), as gambas (16,50 euros por 250 gramas), as conquilhas, o chouriço assado (6,50 euros) os queijos (de 3 a 6,50 euros) e o pão (1,30 euros); é tudo simplesmente muito bom.

Em vez de ementa (que é uma palavra pirosa) ou carta (que é uma palavra possidónia) ou, cada vez pior, cardápio ou menu, a Casa da Igreja tem uma folha de papel honestamente intitulada “Preçário”. Indica não só os preços como as quantidades. Não há entradinhas nem couvert: só se paga o que se consome. Um pacote de manteiga custa 15 cêntimos.

Outra lição magnífica é a maneira como se apresentam os pratos. As amêijoas não são “à moda da casa” ou “à Bulhão Pato” ou “à algarvia”. Não. São simplesmente “amêijoas”. Não há uma única palavra a mais. Os adjectivos só se usam para distinguir as gambas fritas das cozidas, por exemplo.

O preçário da Casa da Igreja merece um prémio pela maneira como respeita a língua portuguesa. A Casa da Igreja pode vender as ostras tão baratas porque, segundo dizem os clientes, tem viveiros. Mas em lugar nenhum do preçário menciona que tem viveiros.

A Casa da Igreja é o contrário dos restaurantes contemporâneos todos look at me e “que giro e pão-pão queijo-queijo-mas-que-gourmet-que-sou”.

Os empregados não fingem que são nossos amigos ou que aquilo para eles é uma paixão. Trabalham. Trabalham muito bem. Se perdessem tempo a conversar o serviço não seria tão rápido e eficaz.

Não têm website nem tempo para atender o telefone. Não têm Multibanco. Não gastam um só cêntimo ou minuto em coisas escusadas e essa poupança reflecte-se nos preços. Não há marcações. Assim está sempre cheio. Não há mesas vazias à espera de quem se atrasou. É um paraíso, a genuína simplicidade.

Uma das raras virtudes da Casa da Igreja foi ter resistido a mudar. Muitas outras casas, quando atingem a popularidade e o êxito comercial, começam logo a embelezar-se e a ampliar as instalações e a ementa.

A Casa da Igreja teve a inteligência, a contenção e o carácter para perceber que não precisava de mudar. Para mais, o lugar da Casa da Igreja é bonito e verdadeiro, com vista imensa para o mar.

Só está aberto no Verão e abre às quatro e meia da tarde. Fecha quando já não tem mais nada para vender. No dia em que fomos, foram as gambas que tinham esgotado. Noutros dias são as amêijoas ou as ostras. Muitas vezes há bichas de pessoas à espera de mesa.

As amêijoas sabem mesmo a amêijoas. É um choque para quem está habituado às amêijoas à Bulhão Pato. Na Casa da Igreja fazem as amêijoas só com alho (pouco) e azeite (pouco) para sobressair a deliciosa água das próprias amêijoas.

Quando fui dar os parabéns ao cozinheiro, ele respondeu que tinha tido bom mestre. Perguntei-lhe por que é que não põe coentros e ele respondeu, com razão, que “muda o sabor das amêijoas”.

Quando as amêijoas não são das melhores o Bulhão Pato faz sentido. Mas quando são sumarentas e gordas como estas — as melhores, repito, que já comi — os coentros, de facto, não só não fazem falta como incomodariam o sabor perfeito das amêijoas.

A simplicidade é difícil de obter porque tem de ser perfeita. O pão com que se ensopam as amêijoas parece ter sido especificamente concebido para esse papel. Se calhar, foi. A padaria fica ali perto e abre — disse-nos um dos empregados — à meia-noite.

O serviço é excelente e simpático. Irrita-me que se diga que não há calor humano, que é sempre a aviar. Porquê? É maldade trabalhar muito?

É malcriado ser-se rápido e eficiente? Numa casa com tantos clientes, os empregados têm de trabalhar muito: é assim que mais respeitam os clientes. E é precisamente por isso que merecem o maior respeito por parte dos clientes.

Aleluia!

Nome
Casa da Igreja
Local
Vila Real de Santo António, Vila Nova de Cacela, Largo da Igreja
Telefone
281952126
Horarios
Todos os dias das 16:30 às 00:00
Preço
20€
Cozinha
Portuguesa
--%>