Fugas - restaurantes e bares

  • Nuno Ferreira Santos
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Boa cozinha tradicional… a baixa temperatura!

Por Fortunato da Câmara ,

Cozinha segura e simpatia genuína são a fórmula mágica desta casa há mais de meio século. Apesar de algumas faltas, O Parreirinha, em Barcarena, trata os clientes como anfitriões, pois quem sabe se amanhã não serão alguns deles os patrões...
“A família Vasa decide entregar O Parreirinha a quem prometer continuar o legado, ou então, caso contrário procederá ao seu encerramento, recusando-se apenas a vendê-lo.” Esta citação reporta a 2011 e foi retirada do site do restaurante onde se conta a sua história. O repto era simples: ou o negócio passava para as mãos de alguém que respeitasse a filosofia da casa e o acarinhasse ou acabava de vez para não entrar em definhamento. Depois de ter estado quase cinquenta anos na posse da mesma família (abriu em 1962), a casa mudou de gerência há cerca de dois anos. O desafio ficou nas mãos de antigos clientes, um dado que pode ser a chave para se compreender O Parreirinha.
 
Pode soar estranho, mas há restaurantes que têm de ser compreendidos, nem todos... Alguns pensam que não, mas até são bastantes transparentes nos seus tristes propósitos. Por vezes vende-se uma suposta cozinha elaborada (lucro máximo a custo mínimo) em que a qualidade é casuística, outras vezes vende-se um ambiente (logo se vê depois o que é que se come neste sítio “tão giro”!), há também quem venda hype (expurgar o que está a dar), ou seja engoda os deslumbrados com as modinhas do momento e toca de fazer dos petiscos e dos hambúrgueres a descoberta do século!
 
Tudo bem em relação a isso, afinal “cada panela tem o seu testo” e portanto todo o género de restaurantes vai tendo os seus clientes, que duram o tempo que demorar até a clientela ter dois dedos de testa, ficar farta, e os descartar. Os que têm de ser compreendidos revelam uma dinâmica própria, que, mesmo com algumas falhas e faltas, se vão mantendo apoiados noutros valores como parece ser este caso.
 
O Parreirinha está escondido numa curva traiçoeira da localidade de Tercena e é um espaço simples de decoração castiça, que não deve andar longe da aparência que tinha em 1970 quando recebeu obras de ampliação e passou de café a restaurante. Um telheiro na salinha da entrada de iluminação tristonha e chão escuro, depois um recanto de tecto baixo onde se pode sentar um grupo, a meio caminho de uma outra área mais ampla e ambiente igualmente rústico. As instalações têm uma aparência datada ao nível da construção e do conforto. Uma simples ida aos lavabos pode representar a diferença de uns bons 5ºC a menos em relação à sala de refeições onde um aquecedor dissimulado de lareira mantém a temperatura a níveis acolhedores. Loiça corriqueira e faqueiro de qualidade pobre pareciam desafiar a lógica do que se via pelas mesas. Casa cheia, clientes bem-dispostos trocando cumplicidades com o pessoal da sala, e chamadas a entrarem para reserva de mesa às quais era respondido “Sr. Dr., hoje só daqui a uma hora, sem garantias”, ou um “Tudo bem Sr. Eng., fica guardado!” E as reservas lá ficavam feitas, para essa mesma noite a horas tardias. Há que descodificar estas idiossincrasias, então! 
 
A carta é de cozinha tradicional portuguesa. À cabeça surgem em destaque arroz de lingueirão e arroz de bacalhau, ambos a 37 euros e com a indicação de serem para duas pessoas. A lista segue com ovas fritas ou grelhadas, pregado idem, arroz de garoupa, cataplana de garoupa com camarão e amêijoa, lombinhos e secretos de porco preto, costeleta de novilho, costeletas de borrego fritas em azeite, e carne de porco à Mercês (petisco típico da feira anual das Mercês em Sintra). 
 
Fora do baralho tradicional há um linguado au meunier, um tornedó com molho de três pimentas, e um T-Bone grelhado com umas anunciadas 375gr de peso (corte americano de carne bovina, que é uma parte da vazia e outra do lombo unidas por osso em forma de “T”). 
 
Na mesa aterraram (sem pedido) as duas entradas do dia. Servidos mornos, vieram uns “Peixinhos da horta” (4 euros) de que apenas se recorda a qualidade do feijão verde, já que o polme estava grosseiro e mole. Melhores vieram os “Ovos com farinheira” (4 euros), igualmente mornos e de textura macia embora pudessem estar um pouco mais húmidos, e com um enchido de boa qualidade. Um cestinho com bom “Pão” (1,50 euros) tipo bola saloia, de miolo compacto e húmido, foi depenicado e reservado para acompanhar o queijo de cura colocado de início, mais para o fim da refeição.
 
Começaram então a chegar os pratos principais com uns estupendos “Choquinhos à Algarvia” (15 euros), bem arranjados e de fritura competente a ficarem crocantes e não borrachudos, salpicados de salsa, regados com azeitinho de boa estirpe, na companhia de batatas fritas “caseiras” de qualidade regular. Fresquíssimos e de fritura imaculada vieram os “Linguadinhos com açorda de ovas” (17 euros), com a mistura de pão muito saborosa e rica em ovas. De alto gabarito estavam também as “Iscas à Portuguesa” (11 euros) fininhas e cozinhadas com atenção para não ficarem secas, e com o molho guloso a aproveitar muito bem os despojos da fritura para “dar de beber” às batatinhas novas cozidas que as acompanhavam. Uma nota transversal a todos os pratos foi o facto de virem a uma temperatura baixa, mesmo sendo feitos ao momento. Foi servida uma primeira porção de cada dose, e recolhida a parte restante “para manter quente” como nos foi dito, o que sendo simpático denota alguma dificuldade logística com as temperaturas de serviço, embora possa ter havido um atraso na entrega dos pratos após a confecção.
 
Carta de vinhos razoável na variedade de opções, mas não tanto de preços, com uma larga maioria das cerca de sessenta referências a estarem acima da linha especulativa. Ausência de datas de colheita e por vezes informação vaga do tipo: “Esporão”... Qual deles? Bom equilíbrio na repartição de escolhas entre as regiões de Douro e Alentejo com um ou outro rótulo fora dos chavões comerciais, ficando a restante geografia vínica relegada para uma categoria mais curta de propostas despachada sob o nome “Diversas Regiões” (sabe-se lá porquê). Um exemplo que ilustra a forma acrítica como durante anos a restauração viu o vinho optando pelas regiões, supostamente, mais consensuais. Copos de bom porte e versatilidade para qualquer vinho de topo, temperaturas perfeitas, mas no serviço lá surgiu o desactualizado hábito de propor a decantação do vinho. Percebeu-se que a intenção era a de querer valorizar a escolha, e não a de encher o olho, mas para quê, pergunto? Um bom tinto jovem de entrada de gama é o que é, ponto. Não tem idade, corpo ou complexidade que o justifiquem, muito menos num vulgar jarro para água, inapropriado para a função. Velhos hábitos que ainda resistem, apesar da muita informação que há nas revistas de especialidade.
 
Antes das sobremesas provou-se ainda uma das entradas que fora deixada no início. Um “Queijo Ilha de S. Jorge” (4 euros) de boa qualidade e cura de duração média sentindo-se suavemente a peculiar ardência que o caracteriza. Entretanto começou um desfile de doçaria com um “Arroz doce” (3,50 euros), cremoso, húmido e consistente, preenchido por um bom carolino de bago curto e gordo. Perante a indecisão nas escolhas seguintes foi proposto um “Misto de sobremesas” (10,50 euros). Um rico cabaz com umas “farófias” de antologia, volumosas e rubicundas, e um creme de gemas todo veludo. A “mousse de maracujá” estava consistente e tinha o sabor presente, o “pudim de coco” vinha em duas camadas com uma parte mais densa a concentrar o sabor a coco ralado. Com um intenso e saboroso banho de café vinha o “bolo de bolacha”, coberto com creme de manteiga fresca, e a fechar, um “tiramisú” de grande qualidade a rivalizar com os melhores já provados em restaurantes italianos. Um guloso medley de sobremesas com um excelente nível.
 
Já referi anteriormente que um bom restaurante faz-se com base em diversos critérios onde entram muitas variáveis. O primeiro (e o mais determinante) é a qualidade da cozinha, que O Parreirinha cumpre com elevado nível baseada em bons produtos e execução a preceito. O resto é complementado com a afabilidade do serviço, hospitaleiro e sincero, que compensa a localização recôndita, as instalações envelhecidas e até as flutuações de temperatura dos pratos. Os preços estão longe de ser de amigo (sendo até desproporcionados), mas sente-se uma familiaridade saudável com os clientes. Pela longevidade e frequência da casa, vê-se que “razão” e “coração” têm que andar de mãos dadas para se durar no delicado mundo da restauração.
Nome
O Parreirinha
Local
Oeiras, Barcarena, Avenida Santo António, 41 (Tercena)
Telefone
214379311
Horarios
Segunda-feira, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:00 às 15:00 e das 19:30 às 22:00
e Domingo das 12:00 às 15:00
Website
http://www.oparreirinha.com/
Preço
25€
Cozinha
Trad. Portuguesa
Espaço para fumadores
Sim
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