Fugas - restaurantes e bares

  • Mara Carvalho
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Gaiola de boas comidas

Por José Augusto Moreira ,

Cozinha portuguesa, ambiente simples e descomprometido e uma boa relação entre o preço e a qualidade. Não há aves nem chilreios mas não é difícil imaginar alguns clientes a assobiar de satisfação à saída da Casa dos Passarinhos, em Lisboa.

Não, não há pássaros nem passarinhos à mesa e mesmo os que se avistam na montra, numa gaiola, não cantam nem esvoaçam. São de plástico!

Não cuidámos de saber o porquê das aves infantes para dar o nome ao restaurante, mas o ambiente e decoração logo evocam os muitos anos de função e a memória dos casarões de família onde o cenário incluía sempre amplas gaiolas e as insinuantes melodias de aves cantoras. Não há cantoria nem chilreios nesta Casa dos Passarinhos, mas não é também difícil imaginar alguns clientes a assobiar de satisfação depois da visita a esta gaiola de boas comidas.

Azulejos por dentro e por fora, que é como quem diz nas paredes interiores e exteriores, havendo também na sala principal três grandes gravuras que remetem para a Lisboa da primeira metade do século passado e a atestar a antiguidade do estabelecimento. Desde 1928, como reza uma placa de vido espelhada colocada na parede exterior junto à entrada, que o anuncia como espaço de “Cervejaria, vinhos e petiscos”, que teria sido antes de se dedicar em exclusivo à restauração.

Na sala de entrada, a mais pequena, o balcão com câmaras de frio com paredes de vidro insinuando peixes e peças de carne e o despacho do pessoal não deixam margem para dúvidas: o que conta são as comidas, sem rodeios, luxos ou modismos.

A oferta impressiona, de tão variada e alargada que é. Uma dezena de “pratos do dia”, uma dúzia de propostas para peixes e cerca de 20 sugestões nas carnes. Uma fartura que, como muitas vezes acontece, não é apenas de fachada, já que todos os pratos estão disponíveis e são servidos sem hiatos. É claro que na sua maioria não exigem grandes preparações, com base na grelha ou na sertã, e com as comidas de tacho concentradas nas ofertas do dia.

Em duas ocasiões distintas tivemos oportunidade de provar uma convincente açorda de gambas e também um rotundo cozido à portuguesa, que só por si já dispensariam qualquer outro teste à solidez e versatilidade da cozinha.

As mesas são cobertas com toalhas em tecido e sobre elas outras em papel, tal como os guardanapos. Pão rústico de centeio e uma broa com mistura de milho e centeio, ambos em largas fatias, azeitonas e queijo fresco, como couvert.

Testou-se o pires de presunto (4,50€), de qualidade mediana, antes de se saborearem as amêijoas à Bulhão Pato (12,95€) e os canivetes na grelha (9,95€), ambos de frescura e sabor marinhos e preparação sem mácula. Nas sugestões de “entradas, mariscos e petiscos”, há ainda coisas como mexilhão à Bulhão Pato ou à espanhola, lulinhas ou gambas à la guilho, alheira, farinheira, morcela e chouriço, com preços a variar entre 3,70 e 10,50€.

A açorda de gambas (10,95€) vem à mesa no recipiente de ferro fundido ainda quente, onde o ritual de envolver o ovo evoca o velho glamour da cozinha de sala. Valeria a pena só pela destreza com que a manobra culinária é executada, mas há que dizer também que é um prato de boa confecção. Frescura e aromas do coentro em evidência, camarões al dente e boa envolvência e sabor.

À entrada, o aroma dos filetes de bacalhau (8,50/15,50€) já não deixava ninguém indiferente. Bacalhau fresco (ou de cura breve) em filetes com pele envolvidos em farinha e ovo, quase ao estilo das iscas e pataniscas de inspiração nortenha. Fritura correcta e bem escorridos, mas com peixe fresco (ou de cura breve) ao qual faltava consistência e força do sabor da peça salgada. O melhor seria mesmo a indicação na carta, para evitar dúvidas ou desconsolos. Pouco canónica mas interessante a salada russa de companhia. Sem batata, com ervilhas, milho, cenoura, alface e salsa, em boa envolvência com maionese líquida e afinada.

Interessante também o atum em versão bitoque (8,95€), coroado com o ovo estrelado e na companhia de couve salteada, e igualmente canónico o robalo grelhado (9,50€), com os legumes e batata cozida da praxe.

É o carolino, senhores!

Do tacho ainda o arroz de tamboril (12,50/24,95€), que é proposto também como massada. Execução e cozedura rigorosas, calda afinada e apurada, perfumado de coentros, sabor e consistência num conjunto que só ficou impedido de bilhar pelo “pecado” do agulha. É o carolino, senhores! Que tem goma e absorve os sabores, que é nosso e é único, e que por isso faz brilhar os arrozes caldosos que são uma marca da nossa cozinha. É que está tudo lá, perfeito e afinado, no peixe e na calda, mas depois sobra na boca o bago rijo e sem sabor, quase plástico!

Em grande plano, mas a convocar o pecado da gula, o cozido, que é servido sempre à quinta-feira. Carnes e enchidos aprimorados e de boa qualidade, legumes a condizer e mão certa e afinada nos fogões. Costela mendinha, chispe e orelheira nas carnes, moura, morcela de sangue e farinheira e a calda e sabores gordos a envolverem-se com feijão branco, arroz e os legumes. Um pecado, de facto.

Entre as especialidades da casa estão o choco frito à setubalense e o naco na pedra, mas a carta propõe também variedade de bifes e escalopes e peixes de várias espécies para grelhar. Na mais recente visita, entre as propostas do dia destacavam-se os salmonetes à setubalense, garoupa à posta ou a perna de porco à padeiro.

Menos abrangente é a lista de sobremesas, entre as quais se provou a agradável mousse de limão (2,30€) e uma bem interessante sericá (2,95€), o famoso doce nascido no Convento de Elvas que frequentemente vemos designado como “sericaia”, numa involução que associará o rio Caia. Assim explicou uma das comensais, e com a autoridade de quem sabe.

Com preços contidos, há que destacar que os pratos, mesmo as meias-doses, são generosos e o serviço, além de solícito e atento, é também competente. Tudo parece funcionar sobre esferas, sem esperas nem atropelos, mesmo em dias de casa cheia, como acontece com frequência.

O propósito de contenção nos preços é também evidente na carta de vinhos, mesmo assim com propostas interessantes e abrangendo a generalidade das regiões. Tome-se como exemplo o Aveleda Alvarinho (9€), o Verdelho da Casa Santos Lima (5,90€) ou o interessante Flor do Tua (9,90€), um tinto transmontano de corpo bem feito que se fez ao cozido — e bem se vê a boa relação entre a qualidade e preço, que é outra das características bem convidativas deste restaurante. Sem pássaros nem chilreios, mas que se mostra como um ninho de boas comidas.

Nome
Casa dos Passarinhos
Local
Lisboa, Santa Isabel, Rua Silva Carvalho, 195
Telefone
213882346
Horarios
Todos os dias das 12:00 às 15:00 e das 19:00 às 22:30
Website
https://www.facebook.com/acasados.passarinhos
Preço
20€
Cozinha
Portuguesa
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