Não, não há pássaros nem passarinhos à mesa e mesmo os que se avistam na montra, numa gaiola, não cantam nem esvoaçam. São de plástico!
Não cuidámos de saber o porquê das aves infantes para dar o nome ao restaurante, mas o ambiente e decoração logo evocam os muitos anos de função e a memória dos casarões de família onde o cenário incluía sempre amplas gaiolas e as insinuantes melodias de aves cantoras. Não há cantoria nem chilreios nesta Casa dos Passarinhos, mas não é também difícil imaginar alguns clientes a assobiar de satisfação depois da visita a esta gaiola de boas comidas.
Azulejos por dentro e por fora, que é como quem diz nas paredes interiores e exteriores, havendo também na sala principal três grandes gravuras que remetem para a Lisboa da primeira metade do século passado e a atestar a antiguidade do estabelecimento. Desde 1928, como reza uma placa de vido espelhada colocada na parede exterior junto à entrada, que o anuncia como espaço de “Cervejaria, vinhos e petiscos”, que teria sido antes de se dedicar em exclusivo à restauração.
Na sala de entrada, a mais pequena, o balcão com câmaras de frio com paredes de vidro insinuando peixes e peças de carne e o despacho do pessoal não deixam margem para dúvidas: o que conta são as comidas, sem rodeios, luxos ou modismos.
A oferta impressiona, de tão variada e alargada que é. Uma dezena de “pratos do dia”, uma dúzia de propostas para peixes e cerca de 20 sugestões nas carnes. Uma fartura que, como muitas vezes acontece, não é apenas de fachada, já que todos os pratos estão disponíveis e são servidos sem hiatos. É claro que na sua maioria não exigem grandes preparações, com base na grelha ou na sertã, e com as comidas de tacho concentradas nas ofertas do dia.
Em duas ocasiões distintas tivemos oportunidade de provar uma convincente açorda de gambas e também um rotundo cozido à portuguesa, que só por si já dispensariam qualquer outro teste à solidez e versatilidade da cozinha.
As mesas são cobertas com toalhas em tecido e sobre elas outras em papel, tal como os guardanapos. Pão rústico de centeio e uma broa com mistura de milho e centeio, ambos em largas fatias, azeitonas e queijo fresco, como couvert.
Testou-se o pires de presunto (4,50€), de qualidade mediana, antes de se saborearem as amêijoas à Bulhão Pato (12,95€) e os canivetes na grelha (9,95€), ambos de frescura e sabor marinhos e preparação sem mácula. Nas sugestões de “entradas, mariscos e petiscos”, há ainda coisas como mexilhão à Bulhão Pato ou à espanhola, lulinhas ou gambas à la guilho, alheira, farinheira, morcela e chouriço, com preços a variar entre 3,70 e 10,50€.
A açorda de gambas (10,95€) vem à mesa no recipiente de ferro fundido ainda quente, onde o ritual de envolver o ovo evoca o velho glamour da cozinha de sala. Valeria a pena só pela destreza com que a manobra culinária é executada, mas há que dizer também que é um prato de boa confecção. Frescura e aromas do coentro em evidência, camarões al dente e boa envolvência e sabor.
À entrada, o aroma dos filetes de bacalhau (8,50/15,50€) já não deixava ninguém indiferente. Bacalhau fresco (ou de cura breve) em filetes com pele envolvidos em farinha e ovo, quase ao estilo das iscas e pataniscas de inspiração nortenha. Fritura correcta e bem escorridos, mas com peixe fresco (ou de cura breve) ao qual faltava consistência e força do sabor da peça salgada. O melhor seria mesmo a indicação na carta, para evitar dúvidas ou desconsolos. Pouco canónica mas interessante a salada russa de companhia. Sem batata, com ervilhas, milho, cenoura, alface e salsa, em boa envolvência com maionese líquida e afinada.
Interessante também o atum em versão bitoque (8,95€), coroado com o ovo estrelado e na companhia de couve salteada, e igualmente canónico o robalo grelhado (9,50€), com os legumes e batata cozida da praxe.
É o carolino, senhores!
Do tacho ainda o arroz de tamboril (12,50/24,95€), que é proposto também como massada. Execução e cozedura rigorosas, calda afinada e apurada, perfumado de coentros, sabor e consistência num conjunto que só ficou impedido de bilhar pelo “pecado” do agulha. É o carolino, senhores! Que tem goma e absorve os sabores, que é nosso e é único, e que por isso faz brilhar os arrozes caldosos que são uma marca da nossa cozinha. É que está tudo lá, perfeito e afinado, no peixe e na calda, mas depois sobra na boca o bago rijo e sem sabor, quase plástico!
Em grande plano, mas a convocar o pecado da gula, o cozido, que é servido sempre à quinta-feira. Carnes e enchidos aprimorados e de boa qualidade, legumes a condizer e mão certa e afinada nos fogões. Costela mendinha, chispe e orelheira nas carnes, moura, morcela de sangue e farinheira e a calda e sabores gordos a envolverem-se com feijão branco, arroz e os legumes. Um pecado, de facto.
Entre as especialidades da casa estão o choco frito à setubalense e o naco na pedra, mas a carta propõe também variedade de bifes e escalopes e peixes de várias espécies para grelhar. Na mais recente visita, entre as propostas do dia destacavam-se os salmonetes à setubalense, garoupa à posta ou a perna de porco à padeiro.
Menos abrangente é a lista de sobremesas, entre as quais se provou a agradável mousse de limão (2,30€) e uma bem interessante sericá (2,95€), o famoso doce nascido no Convento de Elvas que frequentemente vemos designado como “sericaia”, numa involução que associará o rio Caia. Assim explicou uma das comensais, e com a autoridade de quem sabe.
Com preços contidos, há que destacar que os pratos, mesmo as meias-doses, são generosos e o serviço, além de solícito e atento, é também competente. Tudo parece funcionar sobre esferas, sem esperas nem atropelos, mesmo em dias de casa cheia, como acontece com frequência.
O propósito de contenção nos preços é também evidente na carta de vinhos, mesmo assim com propostas interessantes e abrangendo a generalidade das regiões. Tome-se como exemplo o Aveleda Alvarinho (9€), o Verdelho da Casa Santos Lima (5,90€) ou o interessante Flor do Tua (9,90€), um tinto transmontano de corpo bem feito que se fez ao cozido — e bem se vê a boa relação entre a qualidade e preço, que é outra das características bem convidativas deste restaurante. Sem pássaros nem chilreios, mas que se mostra como um ninho de boas comidas.
- Nome
- Casa dos Passarinhos
- Local
- Lisboa, Santa Isabel, Rua Silva Carvalho, 195
- Telefone
- 213882346
- Horarios
- Todos os dias das 12:00 às 15:00 e das 19:00 às 22:30
- Website
- https://www.facebook.com/acasados.passarinhos
- Preço
- 20€
- Cozinha
- Portuguesa