Almoçamos aqui todos os dias há trinta anos, se isto fecha para onde vamos? Foi isso, mais ou menos, que pensaram os amigos que se reuniam habitualmente no restaurante Paço da Rainha, em frente ao Palácio da Bemposta, em Lisboa, quando o gerente do restaurante, e também ele já um amigo, Guilherme Farinha, lhes disse que estava a pensar fechar as portas.
Não podia ser, disseram. O Paço da Rainha, com todos os seus altos e baixos, tinha-se tornado uma segunda casa, era um local de encontro e de tertúlia, recebia os funcionários dos hospitais da Colina de Santana e muitos editores que tinham os escritórios ali perto e passavam horas a conversar sentados às mesas depois de terminado o almoço.
Mas as coisas andavam difíceis e parecia não haver alternativa que não fosse fechar. Foi então que cinco amigos se mobilizaram e, juntando esforços com Guilherme Farinha, actual gerente da casa, decidiram dar uma nova vida ao Paço da Rainha. Preferem não ser identificados, porque, dizem, esta história não é sobre eles, é sobre uma casa “que se tornou querida de muita gente” e que só precisava de uma ajuda para renascer.
Do “velho” Paço da Rainha ficou o nome, “a alma das paredes”, o painel fotográfico a preto e branco que fica à direita de quem entra — e uma ligação forte à rainha D. Catarina de Bragança, que viveu no palácio em frente, onde hoje está instalada a Academia Militar. Tudo o resto mudou.
A nova decoração, feita por Frederico Oliveira, da República das Flores, cria um ambiente que faz pensar em confortáveis chás das cinco em salas acolhedoras (e, não por acaso, há aqui um chá das cinco aos sábados à tarde). Nas paredes, um trabalho do artista plástico João Figueiredo desdobra a imagem de Catarina de Bragança em detalhes, uma mão, um gesto, uma parte do rosto.
Enquanto um dos sócios vai contando as peripécias que levaram a esta nova vida do Paço da Rainha, explicando que se pretendia uma cozinha diferente mas sempre claramente portuguesa, ficamos entregues às mãos do chef António Latas e, dentro de pouco tempo, chega à mesa a primeira entrada.
Numa era de pratos bonitos, é justo que se diga que este, simplicíssimo, faz parar a conversa e cria um pequeno momento de encantamento. É um torricado de cavala, que tem como base uma focaccia (receita do chef mas feita numa padaria vizinha) e vem decorado com pequenas begónias comestíveis cor-de-rosa vivo. Quando o provamos, revela o mesmo delicado equilíbrio de sabores que o seu aspecto deixava adivinhar. Tem ao mesmo tempo uma honestidade de sabor e uma elegância sem pretensiosismo.
Mais tarde procuramos a página do chef na Internet e deparamos com uma citação atribuída a Winston Churchill a abrir: “A sorte não existe, aquilo a que chamamos sorte é o cuidado com os pormenores”. E essa atenção aos detalhes estará em todos os pratos que se seguem, do tártaro de atum dos Açores com manga e sal de wasabi às lascas de pato com espuma de batata, batata-doce e creme de laranja de Setúbal, passando pela rillete de coelho do campo (receita que aprendeu com o chef Joaquim Figueiredo, faz questão de dizer António Latas) com vinagrete, groselhas e amêndoas; o folhado de queijo da Azóia com uma leve geleia de marmelo caseira ou o tamboril com crosta de azeitona e anchova da Cantábria acompanhado por um arroz caldoso de espinafres.
Há uma grande preocupação com a qualidade dos produtos, explica António Latas, enquanto vai trazendo os pratos e fica um pouco a conversar. A cavala e o atum são sempre frescos, o queijo tem que ser o da Azóia, o bacalhau tem uma cura feita especialmente para o restaurante. Quanto ao arroz, confessa ter “uma paixão por arrozes caldosos”, por isso trabalha o risotto “como um arroz português”.
Quando chega a altura das sobremesas, apresenta um brownie de chocolate e um pudim de gemas de Alcobaça com creme de laranja de Setúbal, menos doce do que é habitual, porque, diz o chef, uma das suas preocupações é reduzir a quantidade de açúcar nos doces por razões de saúde — o que o leva também a “fugir à fritura” nos pratos salgados.
Quem conhecia o anterior Paço da Rainha, com a sua cozinha tradicional portuguesa, pratos de substância como as caldeiradas ou o balchão de gambas, irá certamente encontrar grandes mudanças nesta nova versão.
Foi em Julho que o restaurante reabriu, ainda em soft opening. Há coisas a ultimar, entre as quais a esplanada, que vai permitir ter mais alguns lugares no exterior (no interior foram reduzidos de 66 para 36). Mas, depois de algumas experiências iniciais com outros tipos de cozinha, o caminho está traçado de forma clara: com uma sólida técnica, criatividade, bom gosto e cuidado com os ingredientes, o chef António Latas propõe uma ementa diária com entrada, peixe ou carne e sobremesa, além da possibilidade de escolher pela carta.
Além disso, aos sábados há o chá das cinco, com scones dos quais o chef muito se orgulha e em duas versões, uma mais pequena (o Chá do Paço) e outra maior (Chá Dona Catarina de Bragança). E então, sob o olhar da rainha nos quadros que nos rodeiam, podemos passar a tarde entre chocolate quente, bolos caseiros, croissants e macarrons.
- Nome
- Paço da Rainha
- Local
- Lisboa, Pena, Paço da Rainha, 66
- Telefone
- 218 852 752
- Horarios
- Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:30 às 15:00 e das 19:30 às 23:00
e Domingo das 12:30 às 15:00