Embrenhados na voragem dos dias da vida urbana, temos cada vez menos presente que os produtos culinários nem sempre vieram dos mercados, das câmaras frigoríficas ou das embalagens em vácuo. A cozinha e a arte de cozinhar, ou seja, a transformação de produtos frescos em comida, que se quer saudável e saborosa, atinge sempre a sua dimensão mais básica e essencial quanto maior é a proximidade entre os produtores e o consumidor.
Tudo isto vem a propósito dos sabores profundos e naturais das comidas do restaurante Costa do Vez, uma cozinha onde tudo deriva da qualidade de produtos imaculadamente frescos e receitas da mais profunda tradição minhota. A frescura e a natureza entranham-se-nos mesmo antes de nos sentarmos à mesa. O restaurante, que é já uma espécie de clássico de Arcos de Valdevez, fica já na saída da urbe, em direcção a Monção. Até lá tudo é verdejante e puro, enquadrado pelas saltitantes e cristalinas águas do Vez, que corre ali mesmo a par da estrada e ao fundo da propriedade que alberga a típica casa de comidas.
No princípio era apenas o restaurante, ocupando os baixos do casarão granítico da Quinta de Silvares. Rodeado de prados e hortas a espirrar de verde, tanque de pedra com água a correr e as típicas ramadas de vinha a enquadrar a propriedade e a propiciar agradável sombra quando, em tempo de Verão, há mesas postas no exterior. Com a procura e o crescimento do negócio, haveria de nascer mesmo ao lado um inestético edifício de três andares, que acolhe uma albergaria com 28 quartos, cujos méritos de acolhimento e conforto, no entanto, não conhecemos.
São duas as salas complementares que compõem o restaurante, com capacidade para receber com todo o conforto mais de uma centena de comensais. Tectos altos exibindo a madeira do soalho do piso superior, paredes de granito e azulejaria de tons azuis na parte inferior. Mesas aparelhadas com toalhas alvas e baixela ajustada. No enquadramento acolhedor e apropriado destoa apenas o fardamento do pessoal, com calças e coletes que remetem mais para um estilo de circo e pose de funcionalismo. E nem havia necessidade, como dizia o personagem de Herman José. Também a lista, parecendo elencar as mais comuns trivialidades culinárias, ajuda a adensar um pouco o ambiente. É a comida que tudo resolve.
Cestinho com broa de milho e pão de mistura, salada de feijão com atum e sardinhinhas em escabeche (1,75€). Só isto, antes dos pedidos, é bastante para que logo se abram os rostos de satisfação. Coisas básicas e aparentemente comuns, mas que são a chave para se entrar no segredo dos sabores deste Costa do Vez. É que a broa de milho e o feijão tarrestre são dois dos três produtos do concelho que integram a exclusiva lista da arca do gosto da Fundação Slow Food. O terceiro é a laranja do Ermelo, e diga-se ainda que da famosa lista mundial constam apenas mais outros três produtos do nosso país (o queijo de Serpa, o enchido mirandês e o alentejano doce de escorcioneira).
Os sabores densos e genuínos de produtos frescos e imaculados são a essência da oferta da casa, onde não faltam também os peixes do dia, que as novas vias rápidas ajudam a chegar da costa de Viana ou da Póvoa de Varzim.
Uma densidade que junta sabor e frescura e que torna únicas coisas como as batatas cozidas e os grelos salteados que acompanharam o polvo vitela grelhado (15€) regado com azeite e alho. A mesma envolvência no bacalhau à lagareiro (11€), que veio à mesa em assadeira de barro, com corpulentos dentes de alho e rodelas de cebola translúcida. Bom azeite, bacalhau da peça (com piquinho salgado, como por aqui se gosta) e a decompor-se em lascas firmes, tudo a acentuar sabores e texturas.
Mesmo única é a carne das vitelas que povoam os prados daquela zona, que se adentra já pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês. Alimentam-se sobretudo da erva fresca e macia dos prados encharcados em que vão crescendo e isso nota-se também no prato. Também cheirosa e suculenta nos medalhões Rossini (13€) com chalotas e molho de estragão. Não mereciam mesmo a banalidade das batatas fritas e o arroz com cenoura que os acolitaram.
Rabanada de Vinhão
O mesmo festival de sabores nas sobremesas. Por entre estimulante oferta provaram-se o bolo de mel, charutos com doce de ovos e o bolo de discos, numa trilogia arcoense em minidoses (3,20€). Destaquem-se os discos, de massa de amêndoa, sobrepostos e entremeados com um doce de ovos e uma mistura de amêndoas doces e amargas moídas a equilibrar a doçura. Muito boas mesmo as rabanadas desta época natalícia segundo a tradição regional mas confeccionadas com mão de mestre. Fofas e suculentas, mas ao mesmo tempo firmes e crocantes, e quase sem rasto da fritura. Além da comum versão da confecção com leite e ovos, também uma especialíssima, que é embebida no épico vinho verde Vinhão da região. A cor carregada e o cruzamento entre o açúcar e a potente acidez do vinho dão-lhe um sabor único que é mesmo arrebatador.
Além dos pratos degustados, a lista do dia, ao jantar de sábado, propunha parrilhada do mar com gambas Jumbo (35€); pescada fresca, grelhada ou em filetes com arroz de feijão malandrinho (14,50€); filetes de polvo com o mesmo arroz (15€); bacalhau (frito com cebolada) à moda da casa (11€); espetada de lulas ou de gambas (12/16€); ou cherne grelhado (16€). Quanto a carnes, a oferta passava por panadinhos, posta, costeleta, bife ou lombinhos de vitela (8,50/13€) e taquinho, o bife do lombo de boi (8,50/13€).
Carta de vinhos focada no Douro e Alentejo com oferta alargada e a preços equilibrados, apesar de pontuada por alguns vinhos de nicho, com preços a disparar para cima dos cento e muitos euros. Para uma casa que prima pelo melhor dos gostos e sabores da região, não fica bem uma tão exígua oferta de verdes, com apenas um ou dois ou três dos bons vinhos que se produzem na região.
Simpática e merecedora de forte aplauso a utilização da louça de Viana, que, além de bonita, é outra vertente das manifestações do culto gastronómico minhoto. Pintada à mão e em motivos de azul, leva sempre a respectiva assinatura, pelo que bem podemos dizer que neste festival do melhor dos sabores do Alto Minho tivemos também a simpática companhia de Cândida e de Olívia, as autoras dos pratos em que fomos servidos.
- Nome
- Restaurante Costa do Vez
- Local
- Arcos de Valdevez, Salvador, Quinta de Silvares
- Telefone
- 258516122
- Horarios
- Terça a Domingo das 12:00 às 15:00 e das 19:00 às 23:00
- Website
- http://www.costadovez.pt
- Preço
- 25€
- Cozinha
- Portuguesa
- Espaço para fumadores
- Não