Fugas - restaurantes e bares

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Corre o fado para o Douro

Por José Augusto Moreira, Andreia Marques Pereira ,

A casa da Dona Piedade já leva mais de três décadas de tardes de fado e petiscos. Cantam os amantes do fado, canta a dona, canta a cozinheira. É "uma família". Para mais bem alimentada a rojões, fêveras, panados, iscas, pastelão de sardinha...

O fado é, por assim dizer, uma espécie de apêndice que deu notoriedade à casa, mas o mais importante é, como facilmente se constata à primeira vista, a dona Piedade. Daí que o nome oficial seja praticamente ignorado e o local quase sempre referido como a Adega da Piedade. É ela quem comanda o negócio, impõe o ritmo e, mais importante de tudo, toma conta da cozinha de onde saem deliciosos e diversificados petiscos que costumam atrair a clientela a partir de meados da tarde.

O cheiro a cominhos do tacho de bucho que vem da cozinha ainda a borbulhar não deixa margem para dúvidas. Mas há também rojões, fêveras, bolinhos, panados, rissóis e outras iguarias que diariamente se repetem segundo a imaginação e disponibilidade de produtos da cozinheira. E como além dos fogões é também competente e acolhedora anfitriã, o melhor é mesmo seguir as suas sugestões. "Ó filhinho, isso hoje não há, mas as fêveras estão muito boas." Para bom entendedor...

Imperdíveis são mesmo o pastelão de sardinhas (ou de filete) e as iscas de bacalhau, daquelas saborosas e escorridas, com polme à séria como já é raro encontrar-se.

Para além dos comes e bebes, todas as terças à tarde há uma atracção extra: o fado vadio que ali se pratica há mais de 30 anos e se tornou já num costume enraizado. Daí o quadro, colorido e de estilo popular, a retratar Amália na sua juventude que domina a decoração, acolitado por xailes e outros adereços alusivos ao mundo fadista.

Mesas e banquinhos de madeira pintados de preto, tal como o soalho, a compor o ambiente de estilo asseado e acolhedor e com vista para a mansidão do Douro que ali em frente se apressa a chegar à foz.

A tudo acresce ainda a localização privilegiada. Uma espécie de balcão sobre o rio, cujo espaço exterior funciona também como esplanada e de onde se contempla o vai-e-vem incansável do Flor do Gás nas suas travessias até à Afurada.

[José Augusto Moreira]


O fado da Dona Piedade

"Imagino que aqui toda a gente respire fado". As palavras saem da boca de Jorge Azevedo, 24 anos. Estamos à beira-rio já a olhar o mar. Há gente na rua onde raramente passam carros. Nesta terça-feira, já se escutam guitarras, uma voz desalinhada, que saem da lotada Adega Rio Douro, casa pequena e de grande fama.

"Está sempre muita gente porque há fado vadio", esclarece Manuel Barbosa, ele próprio um habitué nestas lides - de assistir e de cantar (ou não tivesse vencido a Grande Noite do Fado Porto em 1995). Porque é esse o encanto deste fado, vadio ou amador, qualquer um pode cantar. "Hoje até está fraquinho", avalia Alice Costa, filha da proprietária, numa das pausas para cigarro. E "normalmente, são sempre os mesmos a cantar", conta, "é assim o mundo do fado no Porto, os mesmos correm tudo". Por isso ouviremos tantos roteiros do fado vadio no Porto, estão na ponta da língua de todos os que vêm aqui (e onde podem) regularmente num "fado da procura".

António Vieira está de saída e o fado ainda vai a meio. Já deu de beber à voz, acabou agora mesmo "Do Poial da Tua Porta". "Tenho um bloco e antes de sair de casa escolho os fados", explica, "às vezes tenho de mudar porque outros os cantam antes". Vai de regresso a casa, em Fânzeres (Gondomar), como o faz há 30 anos, tantos quantos leva como cliente-cantador. Agora tem 67 anos e sempre que pode vai a outros sítios. Mas "há casas, mesmo de fado vadio, que exploram".

Aqui não exploram, diz Alfredo Lúcio (o Alfredo dos CTT), com a certeza de quem frequenta este e outros sítios, inclusive profissionais, todos os dias ("Não posso dormir sem fado"). A cerveja é a um euro, exemplifica, e com umas papas de serrabulho fica por menos de três euros.

Cá fora, poucos são os que não têm na mão um copo (tinto ou branco); lá dentro, as mesas cobertas por toalhas de plástico enchem-se de garrafas, o burburinho é por vezes barulho e os petiscos já começaram a sair. Jorge Azevedo ainda não entrou. Veio pela terceira vez consecutiva, é fã de fado e desta feita trouxe duas amigas porque quis partilhar "este ambiente". "Se outras pessoas da nossa idade soubessem disto, vinham, porque gostamos de comer, beber e isto é top." . Aqui, "bebem-se uns copos e comem-se umas iscas, para dar força à garganta", brinca José Carlos, outro vencedor da Grande Noite do Fado .

"Mas isto não são só copos", avisa Adão Pereira, guitarrista com 60 anos deste ofício (e de outros) e algumas dezenas nestas tarde amadoras. E também "não é o mesmo que numa casa de fado", dirá o companheiro de lides, o viola Paulo Faria Carvalho, músico a tempo inteiro (tocou no musical "Amália" e participa no projecto "Sombras", de Ricardo Pais). Afinal, todos podem cantar e "a maior parte não sabe". No entanto, "o fado amador é uma escola, dá conhecimento e endurance ". À noite toca numa casa profissional, as tardes são "para manutenção".

Há mais de 30 anos que se se fazem estas tardes de fado vadio aqui, à terça-feira. Entre as 16h e as 19h, uma média de 15 "cantadores" despejam o fado trazem com eles: duas músicas cada, intervalos regulares e Alice Costa nas apresentações. E quando o ambiente - neste espaço pequeno, paredes de pedra, traves de madeira com cabaças penduradas, a "D. Amália" pintada jovem entre xaile negro e branco - se torna mais agitado, Alice tenta impor alguma ordem: "Meus senhores...".

Já está Capélio da Ribeira a cantar, "Ribeira Querida"; lá fora, tinha actuado "a capella: "Amo a Ribeira, amo o cais, o sítio onde nasci". E onde continua, no café que tem o seu nome e onde canta a pedido ou na "jukebox" à porta; também canta nos CD gravados, no Youtube... Capélio, que até tem uma página de fãs no Facebook criada por espanhóis, sempre teve a "paixão" do fado, mas foi quando a mulher morreu, há 21 anos, que se "atirou" no "ambiente familiar do fado". Não se importa que lhe chamem "o Zé Cabra da Ribeira", nem se incomoda com as "bocas" (hoje, discretas, confidencia Filipe Oliveira, assíduo há 10 anos): "Está a cantar bem hoje"; "Que nem o Frank Sinatra".

É "uma família", portanto, que hoje se reúne na "Dona Piedade", o nome da proprietária, que encerra a tarde de fados. Antes, também a cozinheira, D. Aninhas, pequenina, engelhada, faz o jeito à voz, sempre de olhos fechados. "Ah... Eu enganei-me". "Vá lá, vá lá", incentivam. "Agora vem ‘Zanguei-me com o Meu Amor", murmuram. Aí está. No final, a maior ovação da tarde.

Nada que surpreenda Ulisses Fonseca e Ricardo Alves, 29 e 32 anos, DJ pela noite, frequentadores há três da "Piedade", pelo "ambiente familiar, personalizado". Gostam da emoção que corre à solta. "Só ouço fado aqui. Tem outro carisma. O "outro" é para turistas", considera Ulisses. O outro "é" fado, diz Alice. "Lembro-me de ir ao fado pequenina. É silencioso, bons fadistas, aquelas coisas todas". "Isto é amador. Às vezes só falta...".

[Andreia Marques Pereira]

Nome
Adega Rio Douro
Local
Porto, Porto, R. do Ouro, 223
Telefone
226170206
Horarios
Segunda a Sábado das 12:30 às 23:30
Cozinha
Portuguesa
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