Por isso, diz que "cozinhar é uma arte" logo na apresentação do seu restaurante, que descreve como um lugar "onde o Mediterrâneo, a tradição e os vinhos se cruzam numa cozinha de autor, com destaque para os produtos autóctones do Algarve". Cozinha de autor, sem sombra de dúvida, mas que remete para um imaginário mais histórico que o actual conceito mediterrânico, o Algarve de tradição mourisca e arabizada. Os paladares agridoces, ervas frescas, citrinos, especiarias e frutos secos quase sempre presentes assim o atestam.
Instalado num espaço que já foi galeria de arte (pois claro!), o Xarme está mesmo no coração da área pedonal de Lagos. Edifício completamente remodelado e com os três pisos totalmente ocupados pelo negócio. Sala principal ao nível da entrada, com capacidade para um máximo de três dezenas de comensais. Mais mesas no andar superior, um espaço também dedicado a sessões de apresentação e divulgação culinária. A cave funciona como enoteca e espaço de bar e degustação. O ambiente é moderno, elegante e a atirar para o intimista, predominando o mobiliário de tons escuros e púrpura e luz indirecta. Nas paredes, de generoso pé-direito, há quadros de um lado e, do outro, pequenas galerias/expositores com vinhos.
A carta propõe sete entradas, com preços que vão dos cinco aos nove euros. Além da Merendinha, uma saborosa marinada agridoce com sumo e raspas de laranja, tomate, pão, azeite e ervas aromáticas, provou-se o Al Zaite (sumo de azeitona em árabe), um soufflé de batata que leva ervas frescas e cominhos e acompanha com um gelado de azeite, que o cozinheiro faz questão de mencionar tratar-se de um monovarietal galego. Seguiu-se a Zawaia (outro nome árabe, que designa Lagoa), um afinadíssimo carpaccio com laranja, figo seco, amêndoa torrada, laranja, toranja, azeite, hortelã e canela, rematando o capítulo das entradas com o Presunto do Mar, uma "muxama" (atum seco e salgado) com crocante de batata-doce, compota de pêssego e um molho de tomilho e limão. Tudo muito bem combinado e apresentado, a despertar todos os sentidos.
Nos peixes, com preços dos 14 aos 17 euros, há uma Sinfonia do Mar, com peixe do dia, mexilhão, batata e molho de cogumelos selvagens; a Maresia, à base de polvo, batata-doce e legumes; Sabores Mediterrânicos, com atum fresco (do Algarve), legumes, ervas e um vinagre de maçã; as Memórias Africanas, um caril de camarão que tem a companhia de um arroz de especiarias e salada de fruta. Provou-se apenas O Nosso Prato Nacional (17 euros), um bacalhau no forno com uma crosta de figos e acompanhada com rodelas de batata corada com orégãos, juliana de legumes, tudo composto com uma elegante tostinha de pão e cheiroso raminho de alfazema. Muito bem cozinhado, aromas, sabores, sucos e ainda um belo efeito de empratamento.
Noutro contexto, e nos que às carnes respeita, tínhamos já provado a Churra Algarvia (21 euros), um estufado de cordeiro da raça da serrana algarvia em vias de extinção, que acompanha com xerém, os milhos algarvios, e é um prato de antologia. É talvez uma das melhores simbioses entre a cozinha tradicional e as modernas interpretações e que logo nos fez despertar para a cozinha de Augusto Lima, impondo a visita ao Xarme.
Provou-se agora também a Manhã Orvalhada (14,50 euros), peito de pato assado, com molho de laranja e vinho do Porto, que não desmereceu mas é uma evidente cedência do chefe à cozinha convencional à margem da sua veia criativa.
Criatividade pura é o que não falta nas sobremesas. Cite-se apenas a Algarviada, uma tarte de laranja com trufa de figo, alfarroba e medronho (tudo genuína fruta do Algarve); o Peixe Doce, um pudim de atum com iogurte de café e nougat de amêndoa; ou a interpretação do chefe para a Tarte Tatin (de pêra ou maçã), que leva caramelo, gelado, requeijão, manjericão e canela.
Como é fácil de perceber, Augusto Lima é um cozinheiro de nível superior, com absoluto domínio das técnicas e um conhecimento profundo, não só da cozinha mas da sua história. A isto junta ainda uma apurada criatividade e um louvável gosto pelos produtos tradicionais. Parece até estranho que não tenha maior reconhecimento e protagonismo, mas arriscamos dizer que essa deve ser uma consequência da sua vertente de artista. Cada prato é uma criação, que exige a sua intervenção e absoluta concentração mas pode atrapalhar o serviço.
Uma refeição no Xarme é uma experiência gastronómica única e enriquecedora, mas que corre também o risco de se tornar longa e cansativa. A par do gosto e do prazer da comida, o ritmo tem que fazer parte também da satisfação da clientela.
Nota ainda para o cuidado na utilização de produtos genuínos e que mostram também a história da gastronomia regional. O Xarme tem protocolos com um dos dois únicos produtores de churra algarvia, com uma empresa de sal tradicional de Castro Marim e ainda com os azeites da Cooperativa Agrícola da Vidigueira. Também nos vinhos, apesar de a carta cobrir todas as regiões, há destaque para os produtores dos modernos e interessantes vinhos do Algarve, de que é exemplo o Quinta dos Vales tinto, que se mostrou à altura das exigências de uma refeição de sabores bem exigentes.
Em resumo, apetece-nos dizer que, mais do que recomendável, o Xarme é passagem obrigatória para os todos os gastrónomos. Aconselha-se que vá com disponibilidade de tempo e disposição, mas também neste aspecto pode haver novidades. A nossa visita aconteceu em finais de Julho e anunciava-se para o início deste mês uma lista em versão de tapas para o almoço. Os mesmos pratos, mas com doses e preços reduzidos, prometendo maior rapidez e rotatividade.
- Nome
- Restaurante Xarme
- Local
- Lagos, São Sebastião, Rua 25 de Abril, 54, Lagos
- Telefone
- 282098014
- Horarios
- Todos os dias das 12:30 às 15:00 e das 19:00 às 22:30
- Website
- http://www.xarmecozinhamed.blogspot.com
- Cozinha
- Autor