Fugas - restaurantes e bares

O luxo Gambrinus

Por David Lopes Ramos ,

De luxo, no Gambrinus, são, sem sombra de dúvidas, os preços praticados. Quanto ao resto, vamos ver. O serviço, a cargo de gente experiente e briosa, é de luxo, designadamente no tratamento dado aos vinhos, aos peixes (que são libertos de peles e espinhas) e aves.

Quanto à garrafeira, tendo sempre em conta a classificação do restaurante, faltam alguns dos bons vinhos portugueses que, nos últimos anos, têm surgido no mercado. Por exemplo, e falando apenas de brancos, a lista abre com o Vinhas Velhas de Luis Pato. Está bem. Não inclui, no entanto, o Vinha Formal, do mesmo produtor, um dos mais originais brancos portugueses. Como não há o Redoma reserva da Niepoort, um grande vinho branco. Globalmente, a carta de vinhos tem uma orientação conservadora. O serviço de copos do Gambrinus não tem nada de luxuoso. É vulgaríssimo.

Os talheres, Cristofl e, sobretudo os garfos, há muito que ultrapassaram o período de validade. A não ser que se tenha uma perspectiva museológica da casa. De qualidade adequada à classificação do Gambrinus são os mariscos, sejam os lagostins (100 euros o quilo), sejam as ostras (24 euros a dúzia) ou os percebes (um montinho 18 euros, mas excelentes de sabor, frescura e tempo de cozedura, sendo servidos mornos, como mandam as melhores regras), sejam os outros (lagostas e diferentes tipos de camarões). Não é de luxo o "couvert" pelo qual, incompreensivelmente, cobram 2,5 euros: um pequeno papo-seco, torradas deste pão quando endurece, dois caracolinhos de manteiga.

A única coisa que merece atenção daquilo que nos chega à mesa sem ser pedido são as torradas de pão de forma de centeio com manteiga. Mas fazer-se pagar por isto num restaurante de luxo revela falta de classe.

Passando à cozinha, três refeições feitas recentemente no Gambrinus deixaram-me decepcionado, exceptuandoa marmita de eiró à portuguesa (24 euros). As enguias servidas às toras eram da grossura adequada; o ponto de cozedura perfeito (e a enguia, caso se não tenha cuidado, fica espapaçada, e é um desprazer); o molho caldoso, leve, bem temperado, apurado, e com ingredientes adequados, muito bom. Muito bem ainda as torradas de pão de trigo duro, vulgares as batatas cozidas. Saborosa a tarte de requeijão (6 euros), encimada por açúcar queimado. Vinho: Prova Régia branco 2001 (16 euros), correcto. O gaspacho (8 euros) de uma outra refeição cumpria os cânones da versão andaluza desta sopa fria: tomate maduro quase com a consistência de sumo, engrossado com miga de pão de trigo e temperos de azeite, sal, vinagre, alho e água gelada. Como guarnição, aos cubinhos, uma das possíveis: pão, pimento, pepino, tomate. Seguiuse o cabrito assado à Souto-Mor. Bichinho de excelente qualidade, de carne tenra e rosada, mas de tempero um pouco agressivo, devido à presença de massa de pimentão, pareceu-me.

Magnífica para carne de porco e, até, para o borrego, a massa de pimentão agride os sabores delicados do cabritinho mamão, transmitindo-lhe umqueimoso desagradável. O arroz de miúdos com ervilhas não tinha grande sabor e as batatinhas não eram das cozinhadas na assadeira. Sobremesa: gelado (4 euros), sem história. Vinho: Porta dos Cavaleiros 1985 tinto (22 euros), do Dão, evoluído e harmonioso. Finalmente, dois clássicos da casa: espadarte fumado (14 euros), de cura e corte perfeitos, com o seu jardim: alcaparras, cebola, salsa e ovo cozido picadinhos; e, era quarta-feira, a sopa rica de peixes (28 euros). A receita deste prato, inspirada na proletária caldeirada à fragateira, é atribuída a Sobral Portela que, com Abelardo Teixeira, Armindo Seone e Jaime Gonzalez, foi proprietário do Gambrinus, está muito menos rica. Nos mariscos, da receita original, apresentou-se sem camarões do Algarve e sem lagostins. Da família, só uma gamba grande descascada, a enfeitar. Tinha uns berbigões mirrados e umas amêijoas pequenas descascadas, bem como pedaços de cherne, safi o e tamboril, como prevê a receita. No fundo do recipiente de serviço, as canónicas fatias de pão torrado. O caldo, com o seu toque açafroado, não estava mal.

Sobremesa: cerejas (5 euros), este ano pouco recomendáveis, pois a chuva prejudicou-lhes o amadurecimento. Vinho: Quinta do Carmo branco 2001, um alentejano atípico, mas muito bom. Bebeu-se sempre um belíssimo café de balão (1,5 euros). Mais algumas observações sobre a carta do Gambrinus:as perdizes estão sempre presentes, seja de escabeche, na caçarola, estufadas com castanhas, empadão de perdiz (às 2.ªs feiras), com cogumelos... É perdiz a mais. Há alheira a 18 euros; frangainho (sic) à cafreal, gambas à malaguenha, sopa de cebola, canja de galinha, "consomé" com Jerez, peixes grelhados com molho gribiche e molho holandês, robalo à marinheiro, iscas de fígado com elas, rojões à transmontana, bananas flamejadas, crepes Suzette, entre muitas outras receitas todas elas datadas.

O balcão do Gambrinus, onde o serviço de cervejaria tem o mesmo nível de qualidade das salas, tem clientes fiéis e numerosos. Casas como estas tornam-se emblemas das terras onde se localizam. Não tenho dúvidas nenhumas de que esse é o caso deste Gambrinus, restaurante de luxo. Mas hoje em dia a sua cozinha, que me parece cansada no plano da confecção, só tem defesa, no domínio das propostas, numa perspectiva museológica. Obrigatório sempre que se trate de fazer a história da restauração em Lisboa e da influência decisiva que nela tiveram alguns cidadãos galegos, o Gambrinus não é, actualmente, um restaurante onde se façam refeições memoráveis. 

Nome
Gambrinus
Local
Lisboa, Santa Justa, Rua das Portas de Santo Antão, 23
Telefone
213421466
Horarios
Todos os dias das 12:00 às 01:30
Website
http://www.gambrinuslisboa.com
Preço
65€
Cozinha
Trad. Portuguesa
Espaço para fumadores
Sim
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