Fugas - restaurantes e bares

João Guilherme

Voltar a olhar bem do alto para o Porto

Por José Augusto Moreira ,

Cozinha de excelência ancorada na gastronomia regional e produtos de qualidade irrepreensível, num ambiente de charme e romantismo que assumidamente nos coloca num tempo pertencente ao passado. Além das vistas soberbas, do Portucale pode ver-se também a essência e o requinte da gastronomia tradicional portuguesa.

Voltar a olhar bem do alto para o Porto

Vê-se todo o Porto, as pontes, o rio, a foz e o oceano até à linha do horizonte, mas no Portucale pode ver-se também a essência e o requinte da cozinha tradicional portuguesa. Não é, portanto, de ânimo leve que se visita e se fala desta casa histórica da restauração portuguesa. Passaram já mais de quatro décadas desde a abertura (em 1969), período quase sempre de glória como farol da gastronomia portuense e durante muito tempo até como o único grande restaurante do Norte.

Mas não se pode também falar do Portucale sem o associar ao saudoso Ernesto Azevedo, o verdadeiro mestre-de-cerimónias que foi o seu criador, mentor e a alma que desde sempre lhe esteve associada. Com o seu afastamento e posterior desaparecimento, dizem-nos, a casa foi perdendo chama e fulgor, isto num tempo em que no Porto foram surgindo novos espaços dedicados a gastronomia mais cuidada e exigente. A casa nunca deixou de ser comandada pela família Azevedo e os ecos de nova dinâmica e um impulso de rejuvenescimento eram, só por si, já muito mais que uma boa notícia.

Impunha-se, portanto, voltar a subir ao ponto mais alto da cidade a ver se também na perspectiva gastronómica este é o lugar adequado para olhar o Porto de cima. E a primeira conclusão é que muito pouco, ou quase nada mesmo, mudou em relação aos tempos de glória das décadas de 70, 80 e 90 do século findo. Cozinha de excelência ancorada na gastronomia regional e produtos de qualidade irrepreensível, num ambiente de charme e romantismo que assumidamente nos coloca num tempo pertencente ao passado. Uma pérola, sem dúvida. Daqueles sítios onde, independentemente do preço (que é carote), há que ir pelo menos uma vez na vida.

A localização é fabulosa. O 13.º andar da torre da Cooperativa dos Pedreiros é o ponto mais alto da cidade e as fachadas envidraçadas proporcionam amplas vistas sobre o Porto. Todo o casario, o Douro, o Atlântico até à Póvoa de Varzim e até as neves no Marão em tempo de Inverno, tudo é companhia para a refeição. A decoração e mobiliário remetem para o topo do requinte e do glamour da segunda metade do século passado, de que são exemplo as tapeçarias de Guilherme Camarinha que emolduram as paredes, ou os belíssimos candeeiros de pé inclinado que se projectam sobre cada uma das mesas. Cadeiras de braços e de grande conforto, toalhas e guardanapos de branquíssimo linho, elegante louça pintada da Vista Alegre e talheres de prata, tudo da época e a compor o ambiente, que é ao mesmo tempo clássico, confortável e descontraído.

Além do pão, manteiga e um paté, um pratinho com miniaturas de bolinhos de bacalhau, croquetes de vitela e cubinhos de bola de presunto logo indiciam estarmos perante o mais apurado da cozinha regional. A lista é extensa, constando de uma dúzia de acepipes, que vão desde corações de alcachofra com toucinho fumado (9€) até camarão gigante com molho picante (39,50€); seis sopas (5€/8,50€); cinco pratos de ovos (9,50€/19€); sete peixes, incluindo os bacalhaus (14€/28€); e seis carnes (18€/26€). Há ainda legumes e outros acompanhamentos (5€/12,50€); queijos e doces e frutas (3,50€/17€).

Para abrir as hostilidades, como se costuma dizer, um misto de peixes fumados com alcaparras (14€). Peças laminadas de espadarte, salmão e bacalhau, com o complemento não só das alcaparras mas também de picadinhos de cebola, salsa e ovo cozido. Óptimo conjunto para espevitar o palato e comprovar a amplitude do Alvarinho Soalheiro escolhido para a fase de arranque. A convocatória seguinte constou de cherne grelhado com molho ravigote (24,50€). Posta alta e completa (lombo e as duas abas), fofa, cremosa, plena de sabor e a desfazer-se em lascas. Seguiu-se o bacalhau à marinheiro (20,50€), um dos históricos pratos da casa. Posta mais do que generosa, que acompanha com uma cobertura de camarões e maionese e batatinhas, tudo atraentemente corado da passagem pelo forno e a desfazer-se na boca como manteiga.

No capítulo cárnico, cabrito estufado à serrana (20€), que absorve lentamente o vinho tinto em que vai ao lume. Textura de veludo e complexa riqueza de sabores que são a essência da grande cozinha tradicional. Acompanhou com o Douro tinto da Quinta de la Rosa 2007, que só pecou por ter chegado à mesa com temperatura um pouco elevada e a evidenciar o álcool. Depois, uma rapsódia de sabores da doçaria tradicional que exigiu um Porto Tawny 10 anos Taylor''s, que necessitou igualmente de algum ajuste (para baixo) de temperatura.

Em conclusão, diga-se que o Portucale mantém intactos os pergaminhos que fizeram da sua cozinha um farol e referência, sendo por isso uma visita obrigatória para os amantes da boa gastronomia. Além da cozinha, o restaurante mantém também praticamente todas as outras características dos tempos de glória, o que pode ser visto numa dúplice perspectiva. Por um lado, o glamour e o ambiente retro que estão hoje tão valorizados, mas que pode também ser encarado numa perspectiva de certa decadência.

Na tentativa de acompanhar o movimento de renovação e rejuvenescimento que tem sido evidente no panorama restaurativo do Porto, também o Portucale prepara novidades para atrair novos públicos e piscar o olho à clientela mais jovem. A partir do final de Setembro, com a entrada da nova lista, passará a haver um menu executivo ao almoço. Além dos aperitivos, terá uma entrada, prato de peixe ou de carne, sobremesa, copo de vinho e café. Tudo por 19€, para que jamais alguém possa invocar o preço para deixar de visitar este templo da gastronomia.

Cozinha e estética à parte, um pequeno esforço de modernização e renovação no serviço, principalmente no que respeita ao serviço de vinhos (os tintos à temperatura ambiente é claramente coisa do passado), seriam excelente ajuda para que do Portucale se volte a olhar de alto em todos os aspectos.

(Agosto 2010)

Nome
Portucale
Local
Porto, Bonfim, R. da Alegria, 598 - 14º (Cooperativa dos Pedreiros)
Telefone
225370717
Horarios
Todos os dias das 12:30 às 14:30 e das 19:30 às 23:00
Website
http://www.miradouro-portucale.com
Preço
40€
Cozinha
Internacional
Espaço para fumadores
Não
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