Ora, a novidade é precisamente a mudança operada depois disso por Miguel Vieira. A carta desde sempre inspirada na clássica cozinha francesa passou à história e há agora uma outra com identidade nacional. “Esta carta é um salpico de memórias, tradições e das raízes deste país”, como se assinala logo no cabeçalho.
Aquele que é um dos mais destacados e consistentes restaurantes do país tem agora, e pela primeira vez, um português a liderar a brigada dos fogões e, mais que manter o estatuto, o objectivo não confessado passará por ascender ao duplo estrelato do famoso guia vermelho.
Foi também com o propósito de sublinhar a mudança que a Portfolio vinhos escolheu o restaurante da Fortaleza do Guincho, e a nova carta do chef português, para o habitual jantar onde reúne os seus associados de maior peso e dá a conhecer alguns dos vinhos de qualidade e prestígio. Com inspiração e produtos portugueses. Do mar e da terra, do lavagante ao peixe galo, do pombo ao porco preto e xerém.
Tão nacional e especial que incluiu até o vinho que a Graham’s elaborou para a recente comemoração dos 90 anos da Rainha de Inglaterra. Um sublime Tawny 90 anos em cujo lote entram vinhos de 1912, 24 e 35 e foi alvo de uma autorização excepcional por arte do IVDP para a produção de 500 garrafas. Foi servido aos 60 membros da família real na festa de aniversário de Isabel II, “um orgulho para o Douro e para Portugal”, como lembrou o anfitrião Johnny Symington.
No Guincho, Miguel Rocha Vieira casou-o com uma selecção de queijos portugueses, que incluía Serra, Serpa, Azeitão e Amarelo da Beira Baixa e a mostrar que é com base na qualidade do produto nacional que se fará o futuro da casa.
De França, apenas alguns grandes vinhos da oferta da Portfolio, como o Sancerre Henri Bourgeois Blanc D’Antan 2010, que ombreou com os nacionais Terrenus Vinha da Serra 2014 e Herdade do Portocarro Partage Galego Dourado 2013. O chef ligou-os com a frescura e sabor do lavagante da nossa costa, com cenoura e citrinos. Primoroso o caldo com a cabeça do lavagante, a desafiar o palato e dar evidência à elegância e frescura dos vinhos.
A roçar a perfeição, mesmo, o peixe galo confitado, que chega em elegante empratamento com cous-cous de couve flor e caril em louça de grés, que para lá da estética preserva o calor. Genial o uso do caril, que teve o efeito de “ressuscitar” o Anselmo Mendes Curtimenta 2001, o alvarinho pioneiro do enólogo que fez parelha com um sublime Drouhin Montrachet Grand Crú Marquis de Laguiche 2010. Há vinhos que bem poderiam ser prescritos como receita médica!
Com o pombo, além de beterraba, o chef juntou cacau e café para ligar com tintos potentes e frutados como o Quinta do Vesúvio 2015, Quinta da Carolina Reserva Especial 2012, ambos do Douro, e o Villa Maria Ngakirikiri Cabernet Sauvignon 2015 (Nova Zelandia).
“Da cabeça dos pés”, o porco preto saboreia-se segundo Miguel Rocha Vieira com cebolas novas e xerém, numa perfeita conjugação de sabor, tradição, elegância e rusticidade. Tal como o extraordinário Chryseia 2007 (elegante e complexo) e Quinta da Falorca Touriga Nacional 2002 (fresco e profundo) com que combinaram de forma primorosa.
Com a selecção de queijos, e o Graham’s 90 anos, brilhou também o fabuloso Daws Vintage 1977 Tappit Hen. Brilhante ainda a sobremesa com formas e sabores de “pinha, pinhões e resina” que puxou pelo melhor de todas as notas do Champanhe Paul Roger Brut Cuvée Sir Winston Churchill Vintage 2004, num festim que terminou com “tijelada, alperce e limão” para um Madeira Blandy’s Centennial Blend que igualmente deveria servir-se por indicação médica.
Tal como o Fortaleza do Guincho, a Portfolio Vinhos é uma distribuidora dedicada ao segmento premium, fundada há sete anos numa parceria entre as famílias Symington e Cândido da Silva. Apesar ter nascido praticamente com o eclodir da crise financeira, com taxas e impostos adicionais, o crescimento tem sido constante com a facturação inicial de três milhões de euros a passar para mais de 8 milhões no último exercício.
No restaurante do Guincho, o estatuto premium foi logo confirmado ao terceiro ano (2001) com a chegada da estrela Michelin, mas foi demasiado longa a espera pela (justificada) segunda, a ponto que tanto Antoine Westermann como Vicent Farges acharam que o projecto de inspiração francesa se tinha esgotado.
Coube agora Miguel Rocha Vieira imprimir um novo rumo, assente nos produtos e memórias nacionais, mas igualmente moderno e cosmopolita. O chef português, pode dizer-se, chegou pelo caminho das estrelas, já que o país praticamente só teve conhecimento da sua existência em 2010, com a estela conquistada para o restaurante Costes, na Hungria. Um feito, já que se tratou da primeira, não só para o país como para todo o Leste Europeu.
Com um segundo espaço, o Costes Downtown, no centro de Budapeste, a estrela chegou com menos de um ano de abertura, o que pode ser um bom presságio para o Guincho. A nova carta, de inspiração portuguesa, com base em produtos de proximidade e de temporada bem mostra que sabe ao que anda e que as estrelas não caiem do céu. Pode ser degustada em menus de quatro, cinco ou seis pratos, por 95, 115 ou 135 euros, respectivamente, acrescidos de cerca de 50€ para a harmonização com vinhos. É claro que há mais barato, só que não é tão bom!
- Nome
- Fortaleza do Guincho
- Local
- Cascais, Cascais, Estrada do Guincho
- Telefone
- 214879076
- Horarios
- Todos os dias das 12:30 às 15:00 e das 19:30 às 22:30
- Website
- http://www.fortalezadoguincho.pt
- Preço
- 100€
- Cozinha
- Autor
- Observações
- Uma estrela do Guia Michelin.
- Espaço para fumadores
- Não