Fugas - viagens

Luís Maio

Montreal - A cidade reanimada

Por Luís Maio

Costumava ser só para fazer dinheiro, mas agora Montreal é uma festa que dura 12 meses ao ano. A cidade mais francófona do outro lado do Atlântico está a reinventar-se como capital canadiana das artes e da cultura. A Fugas foi assistir ao espectáculo da renovação ao vivo.

Montreal é uma cidade instalada numa ilha, que tem passado a maior parte da sua vida de costas viradas para o rio que a viu nascer. O centro é dominado por torres envidraçadas, um aglomerado de arranha-céus monolíticos entre os quais rareiam os espaços verdes e as maiores superfícies comerciais são subterrâneas. Não é, certamente, dos cenários urbanos mais fotogénicos, mas esta carência de encantos imediatos tem mais recentemente vindo a ser compensada por argumentos de outra ordem.

Argumentos que se prendem com o lugar particular e, na verdade, completamente excepcional que a maior cidade da província do Quebeque desempenha no xadrez canadiano. Contando com cerca três milhões e 600 mil habitantes, é hoje a segunda maior cidade francófona do mundo, logo a seguir a Paris. Mas é também a segunda mais populosa do Canadá e a segunda com maior poder económico, no segundo maior país do mundo. São, convenhamos, medalhas de prata a mais. Até porque não foi sempre assim: Montreal já foi a principal metrópole do Canadá, mas acabou por perder a coroa para Toronto. A chatice é mesmo essa.

As coisas começaram a mudar depois da Primeira Guerra Mundial, com a queda do Império Britânico e a consolidação dos Estados Unidos como potência mundial. As relações comerciais entre os dois lados do Atlântico, até então responsáveis pela fortuna de Montreal, deram lugar a uma intensificação das trocas Norte-Sul, favoráveis a Toronto, mais próxima do coração industrial do país vizinho. Mas o ponto de viragem foi a "Revolução Tranquila" que, desde os inícios dos anos 60 do século passado, pôs em marcha um conjunto de reformas sociais favoráveis à maioria francófona de Montreal. Em breve nasceu um Parti Québécois e o francês tornou-se única língua oficial da província. Seguiram-se dois referendos sobre a soberania da província, o último dos quais, em 1995, deixou Montreal na iminência de se tornar na principal cidade de um novo estado francófono (49,4 por cento a favor, 50,6 por cento contra).

A minoria anglo-escocesa, privilegiada desde que a cidade se tornou colónia britânica em 1760, respondeu aos avanços francófonos transferindo-se em peso, mais os respectivos negócios milionários (banca, seguros), para Toronto. Montreal entrou assim, nos anos 60/70, num período de agonia, que teve por principal mérito obrigá-la a repensar-se. Foi certamente a necessidade de relançamento económico, aliada à vontade de emancipação política, que a levou a assumir-se como anfitriã da Exposição Universal de 1967 e dos Jogos Olímpicos de 1976. Esses eventos internacionais foram pretexto para grandes projectos de requalificação urbana, da criação de novos pólos de atracção periféricos, mas também de renovação do centro urbano. Vieram a ganhar um impulso decisivo nos anos 90, quando Montreal se lançou em grande estilo em novas áreas de negócio.

As ilhas da mudança

Numa cidade habituada a demolir para construir mais alto, os edifícios históricos, intactos ou reabilitados são uma raridade. Assim sendo, o que Montreal tem de mais parecido com ícones monumentais são os equipamentos que ficaram por herança da Exposição Universal de 1967 e dos Jogos Olímpicos de 1976. São projectos de uma tremenda ousadia, mas que nem por isso parecem menos distantes no tempo - uma estranha sensação de vanguardismo e fora de moda, que por isso mesmo fascina, sobretudo quando se pensa que foram erguidos há menos de meio século.

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