Era aqui que chegavam "barcos carregados de algodão, sedas e especiarias", escreve o escritor australiano, "e foi daqui que, há 600 anos, Marco Polo partiu para Catai [norte da China] e para a Índia". Há ainda em Veneza diz Dessaix e é verdade, "alguns maravilhosos sítios sobre o mar onde uma pessoa pode ir pôr-se num dia de tempestade, semicerrando os olhos ao sol da manhã, e convencer-se de que uma frota de galés de Acra ou de Bizâncio vai surgir à vista a qualquer momento - é só conter a respiração e elas aparecerão a deslizar na nossa direcção, com as velas recolhidas, 200 remos a bater na água, a descrever um círculo e a bater novamente" (pág. 103).
Nas ruas estreitas do Rialto, o bairro mais antigo da cidade e onde já no século XII viviam as famílias aristocráticas, há explicações mais poéticas para a origem do ritual do aperitivo. "Esta é uma cidade muito humana", diz Marcello Bruno, um arquitecto de 42 anos que nasceu em Veneza e não a trocaria por nenhuma outra cidade do mundo.
"Como não podemos usar carros e fazemos tudo a pé, encontramos amigos na rua com imensa naturalidade e ficamos a beber um copo na rua." E há razões práticas: "As casas são pequenas e temos que sair para a rua para estar com os amigos", diz uma advogada com ar surpreendentemente despenteado que veio às compras e ao aperitivo de sábado com o seu cão.
E onde está a dormir esta forasteira em estreia no Rialto?, perguntam. A resposta causa furor à porta da osteria All' Arco. "Ah, no Danieli...!"
De Wagner a Johnny Depp
Em Veneza não há ninguém que não saiba o que é o Danieli e isso é verdade há mais de 200 anos. O palácio foi construído no século XIV por um ilustre governador, o doge Dandolo, para hospedar convidados oficiais, reis e rainhas de visita ao império. O pé direito do majestoso hall de entrada tem a altura dos cinco andares do palácio, lustres de vidro de Murano com 15 braços coloridos, quadros de discípulos de Tiepolo, pintor da cidade, um piano de cauda e vitrais que filtram a luz forte que vem do Grande Canal.
Hoje, quando perguntamos por hóspedes "históricos", a gerência entrega-nos prontamente uma lista chamada Golden Book e há gostos para tudo: Mendelssohn, Balzac, John Ruskin, Dickens e Wagner, Debussy, Zola e Marcel Proust, Truman Capote e David Bowie, Federico Fellini, Julio Iglésias, Kissinger e Nelson Mandela. São apenas alguns.
Os clientes famosos mais recentes foram Johnny Depp e Angelina Jolie, mas estavam em trabalho. Uma boa parte d' O Turista, nomeado para Melhor Filme nos Globos de Ouro deste ano, foi aqui filmado.
É no hall do Danieli que Jolie e Depp entram, vindos do comboio da belíssima estação de Milão, e ela se anuncia ao recepcionista e diz, para total surpresa dele, "e este é o meu marido" (tinham acabado de se conhecer no comboio).
A produção do filme alugou 40 dos 225 quartos do hotel durante cinco meses, o que fez com que produtores, fotógrafos, o realizador alemão Florian Henckel von Donnersmarck e muitos actores, russos e italianos sobretudo, tenham feito do Danieli a sua casa durante quase meio ano (Angelina Jolie e Johnny Depp ficaram em Veneza quatro meses, mas noutro palácio aqui perto).