Fugas - viagens

Veneza: Entre as osterias do Rialto e o luxo do Danieli

Por Bárbara Reis

Casanova, Lord Byron, Mann, Henry James, Dessaix... Antes de chegar a Veneza, a Fugas foi à procura das histórias dos escritores que lá viveram. Quando chegou, descobriu uma tradição que não vem nos livros mas está na vida de todos: o ritual do aperitivo ao sábado de manhã.

É sábado, uma da tarde, e isso em Veneza significa uma coisa: é hora do aperitivo. Quando a manhã acaba, os venezianos já foram às compras ao Mercado do Rialto, já escolheram onde vão comer e estão a conversar na rua com amigos e um copo de vinho na mão.

É uma espécie de movida madrilena, com a diferença que em Veneza a movida se passa de dia e os copos são de vidro e pé alto. No resto, o essencial é o mesmo: nas osterias (tascas) de Veneza pede-se vinho tinto ou prosecco, o popular vinho branco gaseificado da região, e comem-se cicchetti - fatias de pão servidas com mini-doses do que normalmente é um prato principal. Há cicchetti de camarão com endívias, cicchetti de rosbife, cicchetti de espargos e courgette ou cicchetti de bacalhau mantecato, uma pasta de bacalhau batido com azeite "como se fossem claras em castelo", explica uma veneziana fã da receita.

Já são quase duas da tarde quando Laura Scarpa chega com o marido e o filho bebé, pousa os sacos das compras debaixo do balcão e pede um prosecco. A Osteria da Pinto All' Arco, a cinco minutos do Mercado do Rialto, em frente ao Grande Canal, está cheia por dentro e por fora. "É assim há mil anos e será sempre assim", diz, com uma convicção férrea.

Não é um exagero. Há dez séculos que se trabalha, compra e vende no bairro do Rialto, um lugar referido por poetas e escritores ao longo dos séculos (Lord Byron, Henry James, George Sand, Ezra Pound, Robert Dessaix.). "As pessoas precisavam de comer, mas não queriam perder o negócio", diz Laura Scarpa que, percebemos mais tarde, é editora do site oficial da Câmara de Veneza sobre, precisamente, a zona do Rialto. "Foi assim que nasceu a tradição dos aperitivos na rua. Isto é o centro de Veneza, os primeiros bancos de Itália nasceram aqui."

Amor ou capitalismo?

Não é conversa de rua, é uma tese com alguma solidez. Ezio Micelli, professor da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Veneza, defende numa entrevista no site oficial da cidade que as pessoas pensam em Veneza como "a cidade do amor" quando na verdade Veneza é uma "cidade do capitalismo". E vai a Fernand Braudel para lembrar que o historiador francês fala do Rialto na sua história do capitalismo, "descrevendo o bairro como um dos pontos centrais onde o capitalismo italiano se desenvolveu para fora". Veneza teve durante mil anos o nome formal de República Sereníssima de Veneza - foi a capital de um império comercial que controlava o mar da Europa ao Levante e que só morreu com Napoleão. O "sereno" vem daí - do dinheiro -, do querer a paz em vez da guerra, de modo a não perturbar o comércio.

No magnífico Cartas de Veneza, de Robert Dessaix, um professor descreve o bairro durante a época do império comercial e sublinha que a dinâmica não era muito diferente da actual: "Invadida todos os dias por multidões de visitantes e turistas e comerciantes de cidades tão próximas como Pádua ou tão distantes como Bruges e Isfahan" (pág. 122, edição Gótica, 2002), no Rialto "havia visitas guiadas para ver o polegar de Constantino e o braço de Santa Catarina, havia viagens organizadas ao Oriente. Em cada esquina, alcoviteiros e angariadores estavam preparados para vender aos incautos a Terra Santa ou uma noite numa estalagem, ou a trocar-lhes o dinheiro, ou a arranjar-lhes uma prostituta."

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