Foi aqui, no hoje famoso quarto número 10, que a escritora francesa George Sand, que deixara o marido e os filhos em Paris, viveu a sua paixão proibida com o poeta Alfred de Musset. A prova física desse amor (os nomes de ambos gravados a dourado) ainda está visível na ombreira da porta do quarto. A paixão foi mais veloz do que as gôndolas em dia de corrida, mas a história pertence à cidade. Sand e Musset chegarem ao Danieli a 30 de Dezembro de 1833 e alugaram dois quartos contíguos no hotel.
Passado um mês, porém, Musset ficou gravemente doente e o médico Pietro Pagello foi chamado para o tratar. O poeta passou semanas de cama, com febres altas e períodos de delírio e quando recuperou descobriu que Sand e o médico estavam apaixonados. Os dois deixaram o Danieli: George Sand mudou-se para a Calle Minelli com Pagello, Musset regressou sozinho a Paris. O "romance literário", como foi chamado na altura, foi notícia no New York Times em 1898, quando Pagello morreu, aos 92 anos.
Foi também aqui que, em 1957, o armador grego Aristóteles Onnasis conheceu a cantora lírica Maria Callas, por quem se terá apaixonado instantaneamente - dois anos depois acabou por pedir a mão de Callas ao próprio marido dela.
Hoje, metade dos clientes do Danieli são americanos. "Para eles é muito emocionante a ideia de dormirem num palácio do século XIV", diz Moira Segato. Se é antigo para os europeus, é jurássico para os americanos. O ar da elegante sala de chá está efectivamente cheio de inglês. As cadeiras são confortáveis e a luz é bonita, filtrada pelos vitrais das janelas, mas a música de elevador demasiado alta não cria um ambiente confortável para ler ou conversar. Pelo contrário. Transforma-se em ruído. E ficamos a pensar como a sala seria por certo mais bela se tivesse silêncio.
Silêncio para imaginar, por exemplo, as festas e os concertos que fazem parte da história do Danieli, como os de Vivaldi, que viveu 10 anos em Veneza e escreveu aqui as Quatro Estações. Ou para pensar nas excentricidades de Lord Byron, que chegou a Veneza em passeio e acabou a viver na cidade durante três anos. A sua última casa não é longe daqui. Alugou-a à família Moncenigo, proprietários do Danieli no momento da invasão napoleónica, e lá morou com os seus cães, pássaros, "dois charmosos macacos", uma raposa e um lobo, conta Gregory Doeling em In Venice and the Veneto with Lord Byron (edições Supernova, 2008).
No Palácio Moncenigo entraram e saíram as várias amantes do poeta, a mulher do padeiro por quem se apaixonou no dia em que chegou a Veneza, as aristocratas com quem namorou às escondidas e abertamente, umas a seguir às outras ou várias ao mesmo tempo. Daqui escreveu cartas a todos os seus amigos, muitas delas a Thomas Moore, e aqui foi pintado o seu mais célebre retrato, o que nos surge mal pensamos em Lord Byron, foi pintado neste palácio.
Dois dias em Veneza servem apenas para querer regressar. À cidade, aos aperitivos e aos livros que a cidade já inspirou. Fica tudo por ver. "Há um paradoxo que tenho andado a remoer", escreve Robert Dessaix. "É o seguinte: por um lado, Veneza enviou Marco Polo ao Catai e a Samatra, inspirando Colombo a velejar para oeste e a descobrir as Américas; comerciou para a Índia, o Egipto e a Inglaterra; acolheu multidões de alemães, dálmatas, arménios, turcos e persas; e no entanto, por outro lado, era uma sociedade fechada, infestada de espiões e agentes duplos, que trancava os estrangeiros à noite com medo do contágio. Veneza controlava mesmo o modo como os seus cidadãos vestiam, proibindo as rendas e outras vaidades, decretando que as camisas dos homens deviam ser fechadas até ao pescoço, não fosse algum vislumbre de carne e pêlos inflamar paixões."