Tem muito a ver com o enquadramento paisagístico: desde 1492, a capital escocesa cresceu em torno de um conjunto de vulcões extintos, a pouco distância do estuário do rio Forth, com o Mar do Norte pela frente. O castelo medieval ergue-se na ponta de uma dessas formações vulcânicas (Castle Hill), uma série de monumentos ao estilo grego estão empoleirados noutra (Calton Hill, também conhecido por Acrópole Georgina), um terceiro e mais majestoso conjunto (dominado pelos Penhascos de Salisbury) integra o maior parque natural da cidade.
Não há, em contrapartida, um só arranha-céus a destoar na linha do horizonte. Onde quer que se esteja, no miolo urbano, é seguro divisar colossos de rocha cobertos de verde a espreitar por entre chaminés fumejantes, com veleiros de basalto, flutuando sobre um mar de casas. Em Salisbury a natureza conserva-se em estado selvagem, funcionando como uma espécie de montra em miniatura das paisagens da Escócia, incluindo penhascos, lochs, terrenos alagadiços e até a ruína de uma capela.
Noutras elevações a mancha verde é mais humanizada, mas em todo o lado se fica com a impressão de que a cidade não se impôs, antes encaixou naturalmente na paisagem. A circunstância de ainda hoje ser uma cidade de escala razoável, contando com uma população de menos de meio milhão de habitantes, é outro factor que abona a favor do charme de Edimburgo.
Aninhado entre os vulcões, o centro histórico divide-se em duas grandes parcelas urbanas. A cidade medieval, ou Old Town, é um emaranhado de ruelas apertadas e irregulares, dominadas por um casario alto, compacto e popular, que cobre a ladeira desde o castelo até ao real palácio de Holyrood.
Mesmo em frente fica a New Town, projectada há duzentos anos e assente numa grelha de ruas largas de traçado geométrico, delimitando quarteirões de edifícios desafogados, elegantes e burgueses. Separadas pelo corredor verde de Princes Street Gardens, a cidade antiga e a nova contemplam-se uma a outra a todo o comprimento, degrau a degrau e em cada esquina.
Esse constante jogo de planos e perspectivas é parte integrante da magia de uma cidade que se descobre caminhando a pé, de preferência ao acaso. Agarrar esses instantes de transcendência proporcionados pela flannerie não estará ao alcance de um mágico com problemas demasiado materiais como é o caso Tatischeff. Só no momento da despedida, quando ascende ao penhasco de Arthur's Seat para libertar o coelho da cartola, o ilusionista parece despertar para a beleza da capital escocesa.
Em contrapartida, quem nos vai dando a descobrir Edimburgo é Alice, a miúda cujos olhos serão os de Chomet (ou os da sua filha na mesma idade) a desembarcar na estação de Waverly no quente verão de 2003. Alice acaba por ser o epítome do viajante, ou pelo menos de um certo tipo de viajante que corteja a epifania, que se desloca na cauda do perfume místico que é suposto dimanar de lugares especiais. Alguns acreditam que certas cidades europeias de segunda linha, menos afectadas pelo vírus do crescimento desenfreado, souberam conservar a poesia e o mistério de outros tempos. Edimburgo, mas também Lisboa, Praga ou Budapeste figuram regularmente nesses tops de metafísica urbana.