Fugas - viagens

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Edimburgo na cartola do mágico

Charme atemporal

No Film Tati Nº4 o ilusionista viajava com a filha adoptiva para Praga. Mas Chomet não vislumbra na capital checa tanto encanto quanto na escocesa, por isso transferiu a acção para Edimburgo.

O lugar é diferente, mas a época é a mesma, dando lugar a uma meticulosa reconstituição da cidade em 1959. O realizador francês deu-se a preciosismos como o de descortinar o paradeiro dos fabricantes dos autocarros que então circulavam em Edimburgo para saber como eram os seus tectos, frequentemente vistos no filme em plano picado sobre Princes Street. Hoje os corredores de transportes públicos de Princes Street, a principal artéria comercial da New Town, são dominados por autocarros de dois andares, que substituem os que lá circulavam há 50 anos. São como versões estilizadas, porventura de linhas mais elegantes e aerodinâmicas, mas derivadas do mesmo figurino clássico.

Chomet também fez questão de reconstituir a preceito os pitorescos restaurantes de fish & chips, antes comuns na Royal Mile, a espinha dorsal de Old Town. Dizem os de lá que agora é preciso atravessar a ponte sobre o rio Forth para comer uma posta decente de haddock com batatas fritas, de preferência na aldeia piscatória de Anstruther. Na Royal Mile persistem, no entanto, dois fish & chips da velha guarda e o que não falta um pouco por todo o centro da cidade são casas especializadas na mesma receita tradicional, gordurosa e barata.

Os autocarros e os fish & chips são como quase tudo em Edimburgo. Ou seja, a fisionomia urbana mudou, mas não tanto quanto isso tão-pouco muitas vezes, que nem chega a ser digno de menção. Faça-se o exercício de sair em passeio de reconhecimento pelo centro, comparando as aguarelas animadas do filme que retratam a cidade em 1959 com os seus correspondentes actuais. Será certamente mais fácil divisar semelhanças que diferenças, sendo que algumas dessas diferenças são duplicações de mobiliário urbano de outros tempos. Este conservadorismo é, de resto, bem mais pronunciado na cidade escocesa que nas suas congéneres europeias de apelo místico (maior, seguramente, que numa Praga em acelerada transfiguração), contribuindo para acentuar o charme atemporal e muito cinematográfico que o realizador francês tanto aprecia na capital escocesa.

Vibrante e ruidosa

Não quer dizer que Edimburgo seja uma cidade anacrónica, antes pelo contrário. Significa que mudou menos de layout que de demografia e decoração. O centro histórico está bem conservado e mantido, consagrando a dualidade entre a cidade gótica e a cidade vitoriana. Não impede que seja hoje diariamente invadido por magotes de gente, incluindo contingentes de turistas que desfilam para cima e para baixo do quilómetro e meio de Royal Mile, mas também, e principalmente, por uma multidão de residentes que passam os fins-de-semana às compras em Princes Street e, mais tarde, nos restaurantes e bares das paralelas Rose Street (mais sub 30) e George Street (malta mais crescida, mais endinheirada).

Aqui sim, o contraste é abismal: a Edimburgo de O Mágico é uma cidade quase fantasmagórica, onde às vezes parece que não há mais ninguém para além de meia dúzia de personagens melancólicas e taciturnas. Quando pelo contrário a capital escocesa é hoje uma cidade vibrante e ruidosa, onde se vive uma atmosfera festiva, mesmo sob as condições atmosféricas mais adversas. Claro que para manter esse nível de efervescência e ao mesmo tempo dar-se ao luxo de se conservar igual a si própria, Edimburgo teve de se adaptar ao correr dos tempos e fazer concessões ornamentais, digamos assim.

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