Em praticamente todas as casas da vila do Crato há já quartos prontos para receber os filhos, os netos e os amigos destes que vão chegar nos próximos dias. É assim todos os anos. A vila que foi a sede dos cavaleiros da Ordem de Malta, habitualmente mergulhada numa calma muito alentejana, vê regressar os mais jovens, que partiram para estudar noutras cidades, e que, em muitos casos (cada vez mais) acabam por ficar fora porque ali é difícil encontrar trabalho. Mas o Festival do Crato, no final de Agosto, muda tudo - por quatro dias.
Maria Luísa Bello Morais, proprietária do turismo rural Casa do Largo, no centro da vila, mostra, numa moldura, fotografias de Vitorino e do brasileiro Ivan Lins, recordações de noites em que os músicos, e muitos outros, se reuniram na sua casa, no pequeno jardim à volta da piscina, a tocar e a cantar noite dentro, depois de terem actuado no palco montado na praça central do Crato. A festa dura até de madrugada. E os mais novos acabam invariavelmente à porta da padaria a comprar pão fresco e boleima, um bolo tradicional com açúcar e canela.
O festival começou por ser, no seu primeiro ano, 1984, uma Feira de Artesanato e Gastronomia. "Havia na época uma grande aposta nesse tipo de feiras, que apareceram um pouco por todo o país", conta Luís Pargana, adjunto do presidente da câmara. "Aqui houve desde cedo um cuidado especial com a programação musical." Em 2010, a feira "assumiu-se como festival de Verão, mas com uma identidade muito própria: é um festival que acontece no centro da vila, num piso de calçada portuguesa...".
Por tradição, abre sempre com a Filarmónica do Crato, à qual se seguem artistas locais, nacionais e internacionais. Este ano, a crise obrigou a um ajuste: os artistas internacionais serão portugueses com projecção internacional, como os Dead Combo ou os Buraka Som Sistema. E haverá ainda o regresso ao Crato da Sétima Legião, que em tempos passou pela Feira de Artesanato e Gastronomia, naquele que, diz Luís Pargana, "ainda hoje muitos recordam como o melhor concerto de sempre".
O festival do Crato é - juntamente com a Páscoa - o grande momento de reencontro, de regresso dos jovens à vila (que desde os anos 50 do século XX já perdeu 62% da sua população), e de descoberta do Crato por muitos que não o conheciam (em 2010 houve 35 mil visitantes, no ano passado foram já 47 mil). Mas a câmara da vila quer que as pessoas venham também noutras alturas, que os turistas apareçam em maior número, que o Crato se encha de vida em todas as alturas do ano, que apareça trabalho, agora ligado sobretudo ao turismo, onde antes houve indústria e agricultura.
Vamos, por isso, conhecer o Crato para além do festival - a vila que está lá todo o ano, pacatamente, à nossa espera.
Chico Lindo e o historiador
A principal atracção é o Mosteiro de Santa Maria de Flor da Rosa (século XIV), onde existe desde 1995 uma Pousada de Portugal - um projecto do arquitecto Carrilho da Graça que incluiu a construção de uma ala nova ligada ao velho mosteiro. Mas se hoje o túmulo de D. Álvaro Gonçalves Pereira repousa novamente com dignidade entre as altíssimas paredes de pedra da igreja, e se os hóspedes mais afortunados da pousada podem até vê-lo da janela de um dos quartos, e se é possível dormir numa torre do mosteiro como se fôssemos cavaleiros da Ordem de Malta, ou tomar banho na piscina junto às muralhas do monumento, a verdade é que ainda há não muito tempo tudo aqui era muito diferente.