Para conhecermos a história temos que ir ouvir o homem que foi durante muitos anos o guardião do Mosteiro de Flor da Rosa, e que é, ainda hoje, o guardião das memórias mais antigas. Temos encontro marcado com Francisco Heliodoro Durão - mais conhecido como Chico Lindo - no café O Recanto, no centro da aldeia de Flor do Crato. O Recanto pertence a Leonilde Durão, filha de Francisco, e, garantem-nos os locais, cozinheira de primeira. Mas Francisco tem 89 anos e tantas histórias para contar que uma conversa com Leonilde terá que ficar para outra vez.
Chico Lindo põe em cima da mesa a fotografia de uma mulher vestida de negro, saias até aos pés, chapéu de aba revirada na cabeça, o braço erguido, um dedo a apontar - para onde, não vemos. Mas o filho vai-nos contar. "Não li livros, mas tive uma professora muito importante e tudo o que sei aprendi com ela desde que tenho entendimento." Ela é conhecida por todos como a "ti Maria Francisca Heliodoro" e até aos 95 anos nunca se cansou de mostrar as velhas pedras do mosteiro e de contar as suas histórias a quem as quisesse ouvir.
A família vivia mesmo ao lado do mosteiro, e, estando este num estado de abandono, tomava conta dele. "Andávamos sempre de vassoura na mão", recorda Francisco, que acabaria por se reformar em 1993. "Agora, morro cheio de desgostos por ninguém aprender aquilo."
Não será assim. Alexandrina Capão, funcionária do Posto de Turismo do Crato instalado no Mosteiro, está sentada connosco no Recanto e ouve atentamente as histórias que já ouviu centenas de vezes Francisco contar. E ele é uma torrente. Em cima da mesa aparecem mais fotografias, documentos, cartas. Pede-nos para lermos em voz alta uma carta que enviou a Herman José por causa de num concurso televisivo se ter dito que D. Nuno Álvares Pereira, o Condestável, canonizado em 2009 pelo Papa Bento XVI, tinha nascido em Cernache do Bonjardim. "Não nasceu nada. Nasceu aqui, toda a gente sabe."
Por isso, um conselho: se encontrarem o Chico Lindo em Flor da Rosa não entrem em discussões sobre este assunto. "Nasceu aqui, no quarto da torre", garante. Pois se era ali que vivia o pai, D. Álvaro, porque é que se há-de discutir mais este assunto? Aliás, a estátua do Condestável está ali, a poucos metros da porta do Recanto. E o facto de Herman José nunca lhe ter respondido não o abala. Afinal, ele até ensinou coisas sobre o mosteiro ao recentemente falecido José Hermano Saraiva, que ali foi fazer um dos seus programas de televisão sobre História de Portugal. "Ele era os mares todos do mundo, e eu uma gota de água, mas aqui ele teve que aprender comigo."
Mostra duas fotografias antigas do mosteiro - numa a fachada principal ainda está de pé, noutra já caiu. A derrocada aconteceu em 1897, depois de terem surgido rachas na sequência do terramoto de 1755. Durante muito tempo parte do mosteiro era uma pilha de pedras caídas. Nova foto: um grupo de homens, entre os quais Francisco, muito jovem, nos trabalhos de reconstrução da fachada nos anos 40 do século XX. A ordem veio do então ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco, e é por isso que até hoje Chico Lindo é um admirador do engenheiro, cuja biografia traz escrita num pedacito de papel.