Fugas - viagens

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Manaus: Uma cidade em busca da harmonia com a natureza

Herança europeia
A praça também pode ser o ponto de partida de um passeio em direcção ao porto. É neste trajecto que Milton Hatoum mais sente a passagem do tempo, como se lê em Cinzas do Norte. “Em poucos anos Manaus crescera tanto que Mundo não reconheceria certos bairros. Ele só presenciara o começo da destruição; não chegara a ver a ‘reforma urbana’ do coronel Zanda, as praças do centro, como a Nove de Novembro, serem rasgadas por avenidas e terem todos os seus monumentos saqueados. Não viu sua casa ser demolida, nem o hotel gigantesco erguido no mesmo lugar.”

Ainda assim vale a pena caminhar, embora preparado para enfrentar o calor e a humidade. A praça da Polícia, também conhecida como Praça Heliodoro Balbi, diz muito a Milton Hatoum. Aqui fica o colégio onde estudou e, também por isso, foi usada como cenário do romance Dois Irmãos, um bom livro para ler antes de ir a Manaus. A praça foi renovada em 2009. É uma reminiscência da Manaus que tinha harmonia com a natureza. As árvores dão sombra, os bancos de madeira dão descanso e em frente aprecia-se o Palacete Provincial, mais um desses edifícios que, de repente, nos faz pensar que estamos em Paris ou Viena.

Outro edifício que nos faz viajar no tempo é o Palácio Rio Negro, construído por um antigo magnata da borracha e hoje transformado em centro cultural. Os jardins foram renovados e têm pequenos canais, que dão uma ideia de como era a cidade no tempo dos igarapés.

Percorrendo as ruas, percebe-se facilmente que Manaus é uma cidade de múltiplas influências. A herança europeia está presente na arquitectura, a cultura indígena é omnipresente e, em certos momentos, a cidade parece africana. O comércio de rua é um desses traços africanistas. Costuma haver “camelôs” nas principais avenidas (algo que o Governo está a tentar mudar, criando lojas para os vendedores ambulantes). E descendo até ao porto encontramos outra das imagens de marca de Manaus: o mercado, ou melhor, os mercados.

Existe o Mercado Municipal Adolpho Lisboa, um conjunto de edifícios de 1893, renovados em 2013. É um espaço inspirado nos mercados de Grenelle e Les Halles, em França, e com uma fachada influenciada pela galeria Vittorio Emanuelle, de Milão. “Um belo exemplo da arquitetura de ferro”, diz Milton Hatoum sobre este mercado, que é outro dos postais ilustrados de Manaus.

Algumas dezenas de metros ao lado fica o outro mercadão, chamado Manaus Moderna, um espaço bem menos organizado e bonito, mas onde a população faz habitualmente as compras. Pela manhã, tem mais gente do que o Adolpho Lisboa, à procura do peixe fresco e das frutas amazónicas. Passear pelos mercados é a oportunidade para ver de perto os famosos peixes da Amazónia, do tambaqui ao tucunaré, passando pelo pirarucu ou o bodó, um peixe que é vendido vivo, porque liberta enzimas que o tornam impróprio para consumo se for abatido antes de ser cozinhado.

Do outro lado da rua, fica o porto de Manaus, que está a precisar de uma renovação profunda. Dezenas de barcos acumulam-se no cais. Chegam vegetais e partem arcas frigoríficas, carregadas com alimentos. Muitas comunidades ribeirinhas ficam a quatro e cinco horas de viagem de barco. Outras a mais ainda. A rede de descanso é um apetrecho obrigatório para ter algum conforto na viagem e, por isso, nos barcos vazios já há dezenas de redes estendidas, a reservar lugar.

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