Fugas - viagens

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Manaus: Uma cidade em busca da harmonia com a natureza

Bosque da ciência, o oásis
Assim que desafiámos Milton Hatoum a fazer um roteiro de Manaus, o escritor falou imediatamente de um sítio especial: o bosque da ciência, onde fica a sede do INPA - Instituto Nacional de Pesquisa Amazónica. É um parque, “o lugar mais aprazível de Manaus”, segundo Hatoum. “A cidade deveria ser toda assim, mas a barbárie e a ignorância não permitiram isso. É arborizado, um oásis no meio da loucura calorenta, porque a natureza foi burramente expulsa da cidade.”

Situado na zona leste e inaugurado em 1995, o parque tem 13 hectares e foi projectado por Severiano Porto, o mesmo arquitecto que desenhou o estádio Vivaldo Lima, demolido para dar lugar à nova arena para o Mundial de futebol deste ano — outras das revoltas de Milton: “Destruir um património da arquitectura amazónica é um lance de extrema crueldade e ignorância. O que há por trás dessa crueldade e incultura? A ganância, a grana às pencas, o ouro sem mineração, sem esforço”, escreveu na crónica “Estádios Novos, Miséria Antiga”. Ainda assim, é justo reconhecer que a Arena Amazónia, onde Portugal disputará o seu segundo jogo no Mundial, é um dos estádios mais bonitos do Brasil.

Fomos ao bosque num domingo à tarde. É uma boa opção para sentir um pouco da Amazónia, especialmente para quem não tiver tempo ou dinheiro para ir à selva. A vegetação é vasta e podemos ver vários animais. Aliás, é mais fácil vê-los aqui do que na selva. Logo à entrada, estão os tanques com os famosos peixes-boi, uma mamífero que pode chegar aos 450 kg e quase três metros de comprimento. Duas curiosidades: não tem unhas e nunca fica banguela (desdentado), porque troca continuamente de dentes.

Também vemos ariranhas, uma espécie de lontra com cauda comprida, que tem uma característica peculiar: as manchas no peito e pescoço funcionam como uma impressão digital, permitindo a identificação individual dos animais. Há também tartarugas da Amazónia, que podem atingir os 82cm, e três espécies de jacarés (tinga, açú e pedra), aliás, bem mais fáceis de ver nestes tanques do que no meio da selva, onde são fugidios e só saem à noite para caçar.

No passeio pelo bosque, bem mais fresco do que a cidade, é também possível ver algumas árvores típicas da Amazónia, como o cupuaçu (um parente do cacau, óptimo no gelado) e Tanimbuca — no bosque, existe um exemplar com 600 anos e 35 metros de altura.

O rio, solidão absoluta
Outro dos grandes atractivos de Manaus é ser banhado pelo rio Negro, que mesmo ao largo da cidade se junta com o Solimões, dando origem ao rio Amazonas. O fenómeno chama-se Encontro das Águas e é fácil de ver — é uma curta viagem de 15 minutos de barco.

As águas dos dois rios não se misturam imediatamente, porque há grandes diferenças de temperatura e de velocidade entre os dois. O rio Negro, que nasce no hemisfério Norte, na Colômbia, é mais quente (24º a 28º, consoante as fontes) do que o Solimões, que vem do hemisfério Sul, do Peru (18º a 24º). A cor escura do Negro deve-se às matérias orgânicas e a cor barrenta do Solimões é dada pelas argilas que a água transporta. É muito curioso meter a mão nas águas dos dois rios e sentir as diferenças de temperatura.

O Encontro das Águas é apenas o começo dos encantos do rio. Se nos afastarmos de Manaus, percorrendo um dos rios de barco, mergulha-se num outro mundo. “O rio Negro é um lugar único no mundo pela vastidão. É um dos pouco lugares do mundo em que há uma solidão absoluta. Não há ninguém. Quando se sobe o rio, navega-se quatro, cinco, sete dias de barco e não se vê ninguém. Isso só existe em algumas regiões da África e da Ásia”, diz Milton Hatoum.

Na visita da Fugas não houve tempo para viajar tantos dias pelo rio Negro acima, mas uma visita ao Museu do Seringal, a meia hora de Manaus, dá para sentir a beleza da paisagem e a sensação de isolamento. O Museu do Seringal, aliás, é outros dos sítios a não perder nos arredores de Manaus. Foi construído para as filmagens do filme A Selva, de Leonel Vieira, e transformado em museu para lembrar como eram os tempos da borracha, que trouxe riqueza a Manaus mas causou a morte a milhares de seringueiros (ver Fugas de 12/04/2014).

Ironicamente, o crescimento económico que descaracterizou a cidade de Manaus foi o mesmo que permitiu a preservação da floresta. “Ao contrário do Pará, a floresta foi muito preservada em Manaus”, diz Milton Hatoum, para quem o ecoturismo realmente funciona. “Você sai de Manaus e parece que está noutro mundo.”

O que Milton Hatoum diz sobre o rio Negro vale igualmente para o Solimões. A Fugas foi dormir a um hotel de selva, o Juma Lodge, a três horas de Manaus (ver Fugas de 08/03/2014). A experiência é única. Realmente única. Os telemóveis não funcionam e é realmente possível fugir à civilização. Passear na selva, ver jacarés, nadar no rio, pescar e ver o nascer do sol são algumas das actividades possíveis, sendo que nenhuma iguala o prazer de deslizar numa canoa pelos igarapés, vendo e ouvindo os pássaros que sobrevoam o rio.

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