Ainda antes de deixar esta sala: por sobre a janela de vidro está desenhado a ferro um sol, símbolo do convento.
O século XIV foi ontem
Em 1612 como agora, eram especialmente bem-sucedidos produtos para o tubo digestivo. Umas pastilhas que sabem a menta e que se vendem numa lindíssima latinha cor de mostarda (do estilo Kompensan, com a vantagem de deixar o hálito fresco), cardo para o fígado, carvão e funcho para a expulsão de gases intestinais (excusare a descrição), o Elisir Stomatico de sabor agridoce.
Era uma medicina considerada genial. Infelizmente não resolvia o problema de gota de que padeceu boa parte da família Médici, geração após geração. Mas foi criado um licor, feito com extracto de dez ervas, melissa e uma percentagem de 35% de álcool, baptizado com o nome Liquore Mediceo.
Ao lado desta sala primordial, uma outra que se parece com uma sala de estar. Uma sala verde em tempos usada para acolher hóspedes ilustres. Nas paredes, retratos de frades que se distinguiram na farmácia, o último dos quais, por altura do confisco dos bens da Igreja pelo Estado, concedeu ao sobrinho a propriedade da officina. No ano de 1866. A casa continua a ser propriedade privada, dos descendentes do dito sobrinho, Cesare Augusto Stefani.
A sala verde é uma sala entre salas, a meio caminho entre o espaço onde era a capela e agora se faz a venda principal, a sacristia e o espaço da oficina onde se serve chá e bolinhos.
As velhas máquinas da oficina, aquelas em que originalmente se destilavam flores e prensavam sabonetes, ainda estão por ali. Estão por ali como despojos de um tempo longínquo. Como estão as laranjeiras pouco exuberantes no cortile, o pátio. Tudo é belo, tudo faz parte, nenhuma peça esdrúxula. Nem sequer as rosas quase verdadeiras, quase artificiais que preenchem pequenos cestos, sobre as mesas. São rosas verdadeiras (confirma o tacto), sem gotas de orvalho ou o frescor da natureza, mas verdadeiras, e estabilizadas, alimentadas com glicerina. Ideia prodigiosa!, passe de magia. Quando se afunda a cara no conjunto, o cheiro é intenso. Duram até três anos.
Nem as rosas quase verdadeiras, quase artificiais destoam. Nada dá a impressão de peça fora do lugar. Angiolo Marchissi sorriria a olhar para a nossa cara de espanto, espantado também ele. Por mais exuberante que fosse a sua imaginação, não poderia supor que estaríamos, passados quatro séculos, a aspirar o aroma ou a tomar em pequeníssimos goles a acqua anti-histerica. (Como o nome indica, tem um efeito calmante. É uma das peças mais vendidas do extenso catálogo.)
Retomando a visita guiada: há maquinaria antiga que permite perceber como eram feitos, um a um, durante horas, sabonetes (à base de leite) e pomadas. Mas toda a produção de Santa Maria Novella tem agora sede na Via Reginaldo Giuliani, a três quilómetros do lugar onde me encontro, na zona norte de Florença. As receitas originais são replicadas, bem como o cuidado extremo com a selecção de ervas e óleos (“não testados em animais”, faz questão de sublinhar Simone, num estilo ágil e disponível).