É Simone, da equipa de relações públicas da officina, que pergunta se prefiro a visita em italiano ou em inglês. Está habituado a conduzi-la com profissionalismo, sem dar ares de papaguear uma velha cantiga. Em italiano, se falar piano, piano..., disse eu. E ainda bem. Acqua anti-histerica, por exemplo, soa muito melhor em italiano do que em inglês (seria, numa tradução literal, anti-hysterical water?). No, no. Sem graça. Sem o charme que faz do italiano, dos italianos, de Itália, um convite, um tapete encantatório que se desenrola. Nem teria a mesma graça ouvi-lo dizer frescos from Giotto’s school. Ouvi-o dizer que eram da escola giottesca. Assim mesmo: giottesca. E senti que falando na língua materna tudo ficava mais em casa.
Efectivamente, os frescos que revestem a parede da sacristia, relativamente pequena, lembram a famosa capela que Giotto pintou em Pádua. A mesma intensidade de azul, uma expressão arrebatada ou contraída desenhada no olhar, uma luz que irradia sabe-se lá de onde. E aquela poderosa sensação de que nos estão a contar uma história, através de imagens. Como hoje se faz com o cinema.
Os frescos datam de 1385. (Outra coisa espantosa em Itália: falamos de uma coisa do século XIV como se falássemos de uma coisa de ontem.) Ou seja, algures entre a fundação do convento, em 1220, e a abertura da erboristeria, em 1612, no melhor estilo giottesco, pintou-se esta sacristia.
O pé direito é alto, bem alto, sente-se o silêncio e o eco assim que se entra. É um fenómeno súbito, que se deve à acústica e nos desliga do barulho da loja, do burburinho de vozes e línguas, pequena babel, razoavelmente contida e bem comportada.
Reza a história que os frescos foram uma doação de uma família rica cujo filho foi salvo pelas mezinhas dos frades dominicanos. O leão, símbolo da família, cujo nome me escapou, está numa das paredes. A recuperação foi há dois anos, para a celebração dos 400 anos. Se não fosse por mais nada, valia a pena ir a Santa Maria Novella para ver este espaço.
Ainda passo novamente pela sala verde, a sala entre salas, antes de me atirar à sala de vendas, que ocupa o espaço que era da capela. Isto porque pergunto a Simone quais são os produtos mais vendidos, os grandes favoritos, e um deles está nesta sala intermédia. O pot-pourri de ervas e flores das colinas da Toscana maceradas em vasos de terracota (disponível em saquinhos de seda, para gavetas e guarda roupas ou numa maravilhosa romã que irradia um perfume intenso).
Os outros dois best-sellers da officina encontram-se na sala de vendas principal. São a água de rosas e o perfume Acqua Regina, uma fragrância superlativa criada para, como o nome indica, uma rainha. A colónia foi encomendada por Catarina de Médici, em 1533, e foi levada pela regente para França aquando do casamento com Enrico di Valois.
Junto dos consumidores chineses, japoneses ou coreanos, que constituem uma parte significativa do mercado internacional de Santa Maria Novella, tem muita saída o pó per bianchire le carni. Um pó branqueador, nem mais, pretendido por mulheres, sobretudo mulheres, que continuam a preferir a tez pálida, e usam resguardos nas mãos, nos braços, até aos ombros, para que a pele seja branca como o leite. Infelizmente, o pó não apaga sardas nem manchas de sol, mas se usado com um pouco de água forma uma pasta e tem um efeito esfoliante.