Fugas - viagens

Rabat, uma claríssima luz atlântica

Por Humberto Lopes (texto e fotos)

Património da Humanidade, a capital de Marrocos é uma cidade ecléctica, em que expressivas marcas coloniais e europeias se mesclam com a atmosfera árabe.

Tahar Ben Jelloun, o escritor marroquino mais conhecido na Europa — onde, aliás, reside há várias décadas —, assinou mais do que um artigo sobre as chamadas primaveras árabes. Habituámo-nos a ler nesses textos referências recorrentes à “excepção marroquina”, entendida como um conjunto de circunstâncias que o viajante atento será tentado a não limitar às dimensões política e económica.

O autor de L’enfant de sable e de La nuit sacrée, prémio Gongourt em 1987, assinalou de forma enfática o papel activo — e eficaz — do actual monarca, o rei Mohamed VI, na reacção aos movimentos de contestação que emergiram no país em Fevereiro de 2011, através da proposta de reformas que foram bem acolhidas pelos diferentes sectores da sociedade. Não serão aquelas as únicas circunstâncias a pesar na serenidade social que caracteriza, de uma forma geral, este Marrocos em permanente equilíbrio entre o que esteia as identidades tradicionais e a modernidade, e que acolhe, tão hospitaleiramente e como sempre, os viajantes.

Diz Tahar Ben Jelloun que as convulsões que condicionam ou martirizam uma parte do mundo árabe na actualidade foram sabiamente contornadas neste recanto do Magreb: “Penso que as mudanças propostas são históricas; concordo com a opinião dos observadores internacionais que se manifestaram na comunicação social. Marrocos avança permanecendo uma excepção no mundo árabe e muçulmano”. 

Sentado na esplanada do Café Hollywood, na Avenida Allal Ben Abdellah, em pleno coração do muito bem conservado quartier “colonial” de Rabat, dou uma vista de olhos à resenha dos principais temas abordados pelo Le Matin na última semana de Abril. Mesmo ao acaso, não é difícil destacar dois deles, em que sinais da modernidade do país e o desejo de marcar com veemência uma posição oficial em torno de questões candentes no mundo árabe são evidentes: o primeiro refere-se a um estudo que chama a atenção para a necessidade de se debater publicamente a discrepância de salários ferida pela desigualdade de género; o segundo tem a ver com a visita de Estado de Mohamed VI aos países do Golfo.

Sem surpresa, naturalmente, instalado na região natal de Ibn Batuta, país que absorveu a riquíssima herança cultural do Al-Andaluz, e que em momento algum negligencia velhas tradições hospitaleiras e cosmopolitas, leio uma das declarações mais eloquentes do monarca marroquino em Riad a propósito de certas representações contemporâneas do Islão: ““… o terrorismo afecta a reputação do Islão e dos muçulmanos. Esta situação exige abrir um debate franco e profundo entre os diferentes ritos para sanear as mistificações, para esclarecer a verdadeira imagem do Islão e reactivar os valores de tolerância que perfilhamos”.

Deixo o jornal sobre a mesa, caminho até ao Hotel Royal, poiso habitual em estâncias na capital marroquina, e preparo-me para uma imersão numa das mais eclécticas cidades do Magrebe, onde o espaço urbano concilia de forma harmónica as heranças arquitectónicas coloniais e a atmosfera efervescente das medinas árabes, com as suas infatigáveis azáfamas comerciais e formigueiros de gente.

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