Fugas - Viagens

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Zadar e o Órgão do Mar

Por Luís Maio

O Órgão do Mar é uma escadaria monumental que emprega o mar e o vento para criar espantosas melodias ondulantes. Uma mais-valia excepcional para Zadar, cidade-península da Croácia já abençoada com uma localização idílica e um notável sortido de jóias patrimoniais.

Começa pela localização geográfica, que é verdadeiramente espectacular. Zadar, ou melhor, o seu centro histórico, cresceu sobre uma península, emoldurada pelo Adriático, na ponta norte da Dalmácia. É uma língua de terra de um quilómetro de comprimento por quatrocentos de largura, uma antiga ilha no centro de uma constelação de trezentas ilhas e ilhotas, ainda hoje na maior parte desertas.

A própria Zadar foi ciclicamente construída e destruída ao longo de perto de três mil anos de história. Daí uma paisagem urbana caprichosa e multifacetada, na qual se destacam várias jóias patrimoniais. Poderia rivalizar com as vizinhas Split ou Dubrovnick no capítulo dos museus a céu aberto, não fossem as bombas da Segunda Grande Guerra e os estragos mais recentes, causados pela Guerra Croata da Independência.

Ontem como hoje, no entanto, os danos acabaram por funcionar como oportunidades de renascimento. Desse ímpeto resulta certamente o Órgão do Mar, obra de meados da década passada já consagrada entre as mais brilhantes peças de requalificação urbana do nosso tempo. Integrada na frente marítima de Zadar, esta instalação sonora tem vindo a ser tão aplaudida pelos arquitectos como usufruída pelos locais e pelos turistas. Até porque consegue esse milagre de inovar e entreter sem descaracterizar um dos recantos mais poéticos do Mediterrâneo.

Grande sortido da História

Os primeiros colonos de que há notícia chamavam-se Liburnianos e devem ter assentado arraiais há 2700 anos. Depois chegaram os romanos, os bizantinos, os croatas, os venezianos, os cruzados, os húngaros, os napolitanos, os otomanos, os franceses, os austríacos e os italianos. Estes todos e mais uns quantos pelo meio tiveram a sua época de glória e deixaram a sua marca em Zadar, até 65% da área construída da cidade vir abaixo na Segunda Grande Guerra. Algumas das edificações mais antigas foram restauradas, mas a maior parte foi substituída por blocos de prédios num estilo internacional aligeirado ou de veraneio, concordante com o novo estatuto de estância turística da ex-Federação Jugoslava.

A grelha ortogonal que disciplina o perímetro urbano data do tempo dos romanos, a praça principal é também um antigo fórum romano. Antes como agora, esta praça é a sala de estar da cidade, onde todas as ruas se cruzam e meio mundo vem dar dois dedos de conversa, abancando junto dos enormes fragmentos do antigo pórtico, expostos a céu aberto. A Idade Média viu nascer um colar de igrejas em volta do fórum, que frequentemente empregaram a pedra romana como material de construção. O caso mais flagrante é o da Igreja de São Donato, que veio mesmo a integrar duas colunas inteiras do dito pórtico, quando foi erguida nos inícios do século IX. A igreja com a forma de rotunda perfeita, actualmente usada como palco de concertos, é uma das peças mais bem preservadas de toda a arquitectura pré-românica.

Testemunho do esplendor da antiga capital da Dalmácia bizantina, São Donato é hoje o principal ícone da cidade. Mas o centro antigo de Zadar conta com nada menos de 34 igrejas, incluindo a de São Lourenço, uma construção romanesca do século XI, a que se acede através do Cafe Lovre, por sinal um dos mais antigos cafés da Europa. Igreja e café ocupam a face setentrional da Praça do Povo, de resto emoldurada por faustosos palácios e edifícios públicos renascentistas. Dignas de menção especial são também as duas entradas da cidade, a Porta Marítima e a Terrestre, ambas de factura veneziana, bem como as muralhas erguidas no século XVI para defesa contra as frequentes ofensivas otomanas. Não chegaram a ter uso militar, mas em compensação foram convertidas pelos austríacos numa aprazível promenade romântica, que oferece vistas panorâmicas sobre o miolo histórico da cidade com o Adriático a brilhar em contraluz, por entre as silhuetas dos edifícios.

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