“O nevoeiro vai levantar, o sol vem aí”, garante Jô, parada na recepção do hotel, na Chapada dos Guimarães. Tínhamos acabado de tomar o pequeno-almoço e, depois de no dia anterior a chuva ter caído sem tréguas, o dia amanhecera enevoado, e os nossos planos de conhecer este parque nacional estavam prestes a desmoronar-se. Foi nesse momento que Jô entrou em cena.
De colete de exploradora e mochila às costas, esta guia de rosto redondo e sorridente — e de nome completo Jolenil Martins — parecia absolutamente segura do que nos estava a dizer. “O sol vem aí. Ponham protector porque vão precisar, hoje vai estar muito calor.” Ainda cépticos, começámos a — apenas como hipótese — fazer algumas perguntas sobre os passeios possíveis.
Há a rota das cachoeiras, a Cidade de Pedra, enumerou Jô. Até que Nelson Garrido, o repórter fotográfico da Fugas, apontou para uma fotografia presa a um placard na parede. “E aqui, pode-se ir?”. A imagem mostrava uma gruta com água sobre um chão azul. Claro que sim, disse Jô. Pusemos o protector solar e pegámos numa garrafa de água.
Voltemos agora um pouco atrás, para situar esta história. Estamos no estado brasileiro do Mato Grosso, vindos de Campo Novo de Parecis, zona das grandes plantações de soja, e dirigindo-nos para Cuiabá, capital do estado e uma das cidades escolhidas para receber jogos do Mundial de Futebol, em Junho. Tinham-nos dito que, se estávamos por ali, não podíamos perder a Chapada dos Guimarães, a 15 minutos de carro de Cuiabá.
Tínhamos chegado na véspera — o tal dia chuvoso — e procurado abrigo neste simpático hotel, a Pousada Villa Guimarães, onde logo nos falaram da ligação a Portugal e da fundação da vila pela família dos Guimarães. Almoçámos no restaurante Morro dos Ventos, com vista para a lindíssima cachoeira Véu de Noiva — uma queda de água estreita caindo de uma altura imensa para o vale verde em baixo — , onde pedimos uma das especialidades da casa, o peixe do Morro, que consiste em peixe apresentado de três formas: cubos de filé de pintado ensopado com mandioca, filé de pintado frito e costelas de pacu fritas, tudo acompanhado por arroz branco, pirão de peixe e farofa de banana. Foi então que a chuva começou a cair.
E chegámos assim à nossa manhã seguinte, na sala do pequeno-almoço a mostrarmo-nos ainda hesitantes mas na realidade já convencidos a seguir Jô pelos caminhos da Chapada.
Esta é uma terra de índios, primeiro, e de bandeirantes e garimpeiros depois, estes atraídos pelo ouro, numa área que se espalhava pela região de Cuiabá até Diamantino. A zona da Chapada, terra fértil, alimentava o vale. Já estamos na zona do Mirante, no início do nosso passeio — precisamente no ponto equidistante entre os oceanos Atlântico e Pacífico e Jô aponta em baixo “a trilha pela qual a Chapada abastecia Cuiabá”.
Era, portanto, terra de homens duros e de escravos (parte deles índios, a outra parte negros) e havia lutas e disputas por causa do ouro, “que aparecia em autênticos tijolos”. A Igreja Santana do Santíssimo Sacramento foi construída, em 1726, precisamente para tentar acalmar os ânimos, e a povoação da Chapada foi crescendo em torno dela. À volta havia as grandes fazendas, que garantiam a alimentação dos colonos. Hoje, quando percorremos de carro estes caminhos em direcção às grutas que vamos visitar, vemos que grande parte da paisagem do cerrado foi já, também aqui, substituída pelos mais monótonos campos de soja, de que o Brasil é um dos grandes produtores mundiais.