Num tempo em que o turismo está, finalmente, a despertar para a maravilha dos Açores, a primeira coisa que apetece dizer é que os responsáveis locais souberam preparar-se. E falamos, claro está, das áreas da gastronomia e dos vinhos, que são as que para aqui são chamadas. Basta um breve passeio pelas ruas do centro de Ponta Delgada para ver como vão surgindo novos e apetrechados espaços ou sendo renovados e melhorados outros. Da oferta de produtos locais, às casas de petiscos e moderna restauração, é uma alegria constatar que o dinamismo e persistência de Fernando Neves - do hotel, restaurante e pastelaria Colégio, que durante longos anos batalhou quase em solitário pela qualidade - têm agora abrangente e qualificada companhia.
Quase sozinho, porque por detrás de todo este movimento de renovação da restauração e de valorização dos produtos autóctones está o trabalho da Escola de Formação Turística e Hoteleira, que criou o lastro, a base técnica e humana, em que tudo assenta. Da formação ao contacto com técnicas e protagonistas de vanguarda, aos convites a cozinheiros e especialistas das mais diversas origens, que deixaram experiências e ensinamentos e levaram na memória e no gosto a variedade e riqueza da despensa açoriana.
Como parte mais visível de tudo isto surgiu há quatro anos o 10Fest (tenFest na leitura inglesa), um festival gastronómico que decorre do empenho visionário do director da escola, Filipe Rocha. Além da partilha de experiências e saberes, dá notoriedade e visibilidade aos produtos autóctones e coloca Ponta Delgada na cena internacional da gastronomia. Dez dias e dez chefes que proporcionam momentos de exaltação gastronómica com outros tantos jantares com a assinatura de cada um
E o efeito é assombroso. Em quatro anos o salto é enorme para cozinha local, que da observação e apoio passou a protagonista destacada. Isto num contexto que junta chefes de créditos firmados de vários países, alguns até com os galões da estrela Michelin.
Chefes locais em grande
Nada que tivesse impedido os chefes locais de brilhar. Não só apresentaram um menu de grande qualidade e apenas com produtos locais, como deram mostras de um domínio técnico e criatividade que à distância destes quatro anos eram absolutamente impensáveis.
Aperitivos e queijos dos Açores, em apresentação apelativa e várias texturas, como entrada, logo seguidos pelas cracas, um marisco local de sabor e frescura ímpares.
Nada de anormal, não fosse o caso de se apresentar numa versão em que também a concha que o envolve era comestível. É claro que não haveria forma de cozinhar a espécie de carapaça rochosa da qual é necessário “pescar” a craca, tratando-se antes de uma simulação construída à base de massa sovada destilada com algas e tinta de choco, que lhe davam um aparência real. Um gracioso engano pleno de sabor e emoção a que ninguém conseguiu ficar indiferente.
Igualmente genial a combinação com abrótea e lula, num prato cuja cenografia e sabor pede meças às criações dos mais reputados. Base em negro, com rodelas laminadas da abrótea pintadas com tinta de choco, um “novelo” branco com a lula laminada em “linguini”, o inigualável limão galego, espargos e salicórnia verdes, e uma fina rodela rosada de pimenta da terra a coroar o prato.