Fugas - Viagens

  • Rui Gaudêncio
  • Rui Gaudêncio
  • Rui Gaudêncio

Girona de muitas cores mas sempre medieval

Por Andreia Marques Pereira

No rio Onyar, o casario reflecte a nova imagem da cidade catalã, em technicolor, e não apenas em tempos de flores pelas ruas. Continua a ser a porta de entrada para a Costa Brava (e para os Pirenéus), mas vale uma visita.

Como sempre, não se sabem muitos pormenores, mas esses são secundários. O que se sabe é que Girona vai ser um dos cenários da nova temporada da série Guerra dos Tronos e até já foram feitos os castings locais para os figurantes. A 3 de Setembro começam as filmagens que vão durar três semanas e vão transformar Girona noutra cidade, noutro tempo. Não será a primeira vez e provavelmente não será a última: já foi, por exemplo, uma vila francesa do século XVIII no filme O Perfume, adaptação do livro homónimo do alemão Patrick Süskind, mas também já foi Girona-Girona, na viragem do século XXI e no final da Guerra Civil Espanhola, na adaptação do Soldado de Salamina do escritor residente na cidade, Javier Cercas. E desde há 60 anos transforma-se, a cada Maio, na cidade florida, “Tempo de Flores”, ponto de peregrinação de milhares de visitantes que a percorrem de olhos postos nas instalações de flores que surgem de todo o lado — divisórias em ruas pedonais, rotundas, praças, escadarias, claustros, portais de palácios e igrejas.

É um bom pretexto para (re)visitar a cidade, confessa Lara Martinez, cântabra a viver há quatro anos em Barcelona que está pela segunda vez na Festa das Flores. Desta vez veio de carro com amigos e encontrou-se com outros vindos de comboio — os do comboio chegaram mais rápido (40 minutos em alta velocidade desde Barcelona), os do carro dividem os custos de forma mais rentável. Ela é uma espécie de guia informal do grupo (internacional: franceses, colombianos, hondurenhos, romenos), quase todos neófitos em Girona. “Não andamos atrás das flores, cruzamo-nos com elas enquanto caminhamos”, explica. Não é necessário qualquer método ou planeamento para tropeçar nelas: estão por todo o lado, sobretudo na cidade velha, inevitavelmente o núcleo mais visitado de Girona.

Nesses dias, Girona parece transformar-se num salão de baile arco-íris, mas já há alguns anos que perdeu o epíteto de cidade cinzenta, que na década de 1970 alguns intelectuais lhe colaram. E não só porque o casario que debrua o rio Onyar (um dos quatro da cidade) se apresenta como uma tela mediterrânica de cores fortes — Girona passou de uma capital de província adormecida num quotidiano pequeno-burguês a uma cidade aberta ao mundo. Talvez tenha sido a universidade que aqui se instalou, ou as companhias low-cost que povoaram o seu aeroporto, ou a internacionalização da sua gastronomia (cabeças de cartaz: Ferran Adrià e, mais recentemente, os irmãos Roca), ou a vontade da população. O mais certo é ter sido uma mescla de tudo, no momento certo, que contribuiu para retirar Girona da imensa obscuridade que é a sombra de Barcelona, aqui tão perto.

Os argumentos podem já não ser exactamente os mesmos que ao logo de milénios atraíram íberos, romanos, visigodos, carolíngios, judeus muçulmanos, exércitos napoleónicos — a localização privilegiada, para a travessia dos Pirenéus, porta-giratória entre África e Europa — mas Girona continua a ser uma encruzilhada para vários pontos turísticos da Catalunha: desde logo para a Costa Brava e também, ainda, para os Pirenéus. Contudo, este ponto de passagem histórico (na Via Augusta), soube aproveitar o caldeirão de culturas que num momento e noutro aqui se instalaram para forjar uma nova identidade, agora aberta simultaneamente a várias culturas.

--%>