Não há rodriguinhos, nem imagens turísticas tipo postal, em Chef’s Table. Nem condescendência com o espectador ou piscar de olhos à la Rodrigues dos Santos. O registo cinematográfico da série documental é um exemplo de como se pode contar uma história com beleza e tranquilidade, sem esconder as imperfeições dos lugares ou das figuras retratadas.
Num dos planos iniciais do episódio com Alexandre Couillon, da terceira série que agora estreia, a câmara filma-o de esguelha a abrir vieiras. O chef francês separa uma concha, cheira-a e repete o processo com as seguintes. Parece ligeiramente perturbado, porém, a sua expressão não é conclusiva. Só sentimos a tensão devido à sequência de planos rápidos com cortes repentinos. O mais comum seria reproduzir, de seguida, o cliché do chef com mau génio que atira tudo para o chão. Todavia, a montagem escolhe um caminho menos óbvio. Não instiga e se a situação acontece, não a vemos. Corta o plano e passa para o momento seguinte, em que Couillon aparece ao telefone a desancar no produtor, com frieza, mas sem perder o temperamento.
Para se conseguir captar momentos como este, sem artificialidade, é necessário uma grande aproximação entre a equipa e o chef. Gelb explica o método. “No início eles dizem o básico e ao fim de três horas já começam a falar do que nos interessa. Contudo, só depois, com o à-vontade, surge a familiaridade necessária e é a partir desse momento que fazemos as perguntas mais intimistas.” Segundo o autor da série, uma equipa de oito pessoas passou em Noirmoutier “dez dias intensos”.
O norte-americano conta que Chef’s Table só foi possível fazer graças ao sucesso do seu primeiro filme, Jiro Dreams of Sushi, que se tornou um sucesso mundial. “Jiro foi feito com duas pessoas no local e demorou um ano. Foi uma loucura, fiz de tudo”, confessa. Agora, o Netflix providenciou-lhe um orçamento confortável que lhe deu a possibilidade de ter uma equipa top. Porém, alerta: “Cada dólar aplicado no programa aparece no filme.”
A terceira série é dedicada exclusivamente a França, mas nas duas primeiras brilharam algumas das principais figuras da cozinha mundial, com emergentes à mistura: de Massimo Bottura (da Osteria Francescana, Modena, Itália — o melhor restaurante do mundo, segundo a W50Best), a Grant Achatz (Alinea, Chicago, EUA), passando por Magnus Nilsson (Fäviken, Järpen, Suécia), Alex Atala (D.O.M., São Paulo, Brasil) ou Ben Shewry (Attica, Melbourne, Austrália). “Escolhemos os chefs cujas histórias influenciam a comida ou vice-versa”, conta Gelb. A sua ideia é explorar a comida num registo pessoal e tentar interferir ao mínimo. “Adoro que sejam os chefs a contar a sua história. O meu papel é fazer de curador.” E, claro, além da personalidade e de uma boa história, tudo tem de resultar no ecrã, “as pessoas e os pratos”.
Fazer um selecção de chefs na pátria que criou as primeiras celebridades ligadas à cozinha foi certamente um exercício complexo. Contudo, com o pragmatismo natural de um norte-americano, Gelb explica que, no caso de Alexandre Couillon, pretendiam alguém desconhecido que pudesse ser interessante. “So here we are!”