Fugas - restaurantes e bares

  • Adriano Miranda
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Na loja onde o chocolate começa no grão de cacau

Por Alexandra Prado Coelho

A portuguesa Susana Tavares e a japonesa Tomoko Suga trabalham os grãos de cacau, que torram e moem, preparando chocolates que falam do terroir de onde vêm — e que querem ser justos.

“Porque não sabemos.” Foi assim, com toda a candura, que respondeu a mulher de uma roça de cacau de São Tomé quando lhe perguntaram por que é que não faziam ali chocolate. “Vocês têm o cacau e neste país há cana-de-açúcar”, argumentavam Susana Tavares e Tomoko Suga. Sim, mas ninguém ali sabia fazer chocolate. “A resposta dela mudou tudo”, conta Susana. Foi então que a aventura começou.

Susana e Tomoko estão atrás do balcão da Feitoria do Cacao, a loja-oficina que têm em Aveiro, onde vendem e fazem chocolate bean-to-bar — ou seja, desde o grão de cacau até à tablete final. No balcão alinham-se potes de vidro com os grãos de cacau e, à frente de cada um, o chocolate feito com os vários grãos, de diferentes origens. Não resistimos a provar um antes de ouvir o resto da história.

É um chocolate feito com 57% de cacau da Nicarágua e leite de vaca, com nibs (pedaços de cacau já torrado). “Os nibs dão-lhe uma textura diferente e um aroma mais intenso”, explica Tomoko. Ao lado está um da Tanzânia com 60% de cacau e leite de ovelha. E o tipo de leite faz diferença? Susana diz que sim. “Se provarmos um a seguir ao outro nota-se a diferença, o de ovelha é mais doce, mais intenso.”

Não foi por acaso que o usaram com o cacau da Tanzânia, que tem características muito especiais, com um grande nível de acidez. Susana fala em “alquimia” quando se trabalha estes grãos. “Ao longo das trinta horas em que fazemos a moagem em mó de pedra, o sabor muda totalmente”, descreve. “Este toque de caramelo não existe no início, mas a fricção provoca calor que faz subir a temperatura da pasta que está a ser moída. Isso ajuda a libertar os ácidos voláteis, e, quando se junta o açúcar, dá-se esta caramelização, o que não acontece, por exemplo, com o da Nicarágua porque não é tão ácido.”

Quando se compra um cacau como este, “temos que o tratar com muito respeito”, diz Susana. E isso foi algo que começou a perceber quando pela primeira vez visitou uma roça, na tal viagem a São Tomé. Vamos, então voltar à história, a um momento ainda anterior a essa viagem. Susana tinha ficado desempregada depois de trabalhar doze anos na mesma empresa. Estava naquela fase em que pensava se saberia fazer alguma outra coisa quando Tomoko lhe lembrou: “Não era chocolate o que gostavas de fazer?”. Sim, em tempos Susana tinha pensado que um dia gostaria de fazer chocolate. Mas a ideia que tinha do que seria fazer chocolate era muito diferente do que é hoje.

“Para mim, era fazer bombons”, recorda. Procurou então uma escola onde pudesse aprender e descobriu que a melhor ficava no Canadá. A boa notícia é que dava cursos online. Inscreveu-se e, enquanto esperava o início do curso, decidiram passar as férias em São Tomé, onde aconteceu a conversa que contamos no início do texto e que mudou tudo.

Para Tomoko, o projecto também fazia todo o sentido. Natural de Quioto, no Japão, veio há mais de uma década para Portugal atraída pelo fado e a gastronomia. “No Japão cantava canções francesas e disseram-me que a minha voz tinha a ver com o fado, por isso quis saber mais sobre ele.” Ainda pensou abrir um restaurante, o que não aconteceu, mas o interesse pela gastronomia manteve-se e quando surgiu a ideia de fazer chocolate aderiu imediatamente.

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