Muitas vezes, as crónicas que enviava para a Fugas eram “excertos de textos mais desenvolvidos que havia vindo a construir antes, durante e depois de viajar”. O facto de ser investigadora em História da Arte Contemporânea levava-a “a procurar aprofundar o conhecimento por detrás” do que via. A dada altura fez sentido passar os textos a livros. Em 2012, nasceu Notas de Viagem, com “trechos de cidades e áreas” por onde andou. No ano seguinte, Itinerários Perdidos, onde narra “algumas atmosferas dos países que visitou e por onde se demorou”. E em 2014 Transiberiana, que “descreve uma única viagem, desde São Petersburgo até Pequim, ao longo de mais de nove mil quilómetros de linha férrea”.
De todos os destinos, os predilectos ligam-se “mais a afectos do que com paisagens ou lugares”. Cuba, por exemplo, seduziu-a “tanto” que voltou ao fim de quinze dias “num momento de saudável desvario” e novamente no ano seguinte, corriam os finais dos anos 1990. Em cada regresso, a “eterna pergunta”: Tienes família en Cuba?, desconfiavam do apelido pouco bem-vindo. No mês passado, regressou a Zanzibar, dez anos depois de lá ter ido inspirada por uma reportagem que lera na Fugas. “O reencontro não podia ter sido melhor. Não tem nada de especial, e no entanto… Há lugares que não se explicam, sentem-se, não é?” M.G.
Ademar Costa
58 anos, Póvoa de Varzim
Se nos encontramos junto ao mar é porque é natural. Para quem vive na Póvoa de Varzim é quase incontornável, para quem gosta de poesia é a própria poesia. “Tem vida, deu novos mundos ao mundo.” É normal encontrar Ademar Costa a caminhar por aqui, entre o casino e o porto de pesca, máquina fotográfica no bolso, em busca da “ocasional distracção das coisas” — cita Herberto Helder, como haverá de citar Pablo Neruda ou Rosalía de Castro (tem sempre um verso na boca e outro na ponta dos dedos — o resultado são alguns livros publicados e a participação em antologias).
Hoje, dia de sol abundante, veste uma t-shirt especial, feita para a ocasião: azul, com a inscrição “Fugas” no mesmo lettering da revista. É uma espécie literal de “amor à camisola”, que há dois natais resultou numa árvore decorada apenas com exemplares da Fugas. “Não foi fácil prendê-las, os ramos são frágeis”, lembra. Mas a sua imaginação não o deixa em paz. E também por isso é leitor desde o primeiro momento da Fugas, gosta de ler sobre grandes viagens, países longínquos, que não conhece. “Viajar é viver e podemos viajar através da leitura e da escrita”.
E assim fala das suas viagens, as reais e as outras. Nasceu em São Paulo, viveu em vários locais de Portugal até, há 18 anos, ter assentado na Póvoa de Varzim; por motivos profissionais passou alguns meses em Agadir e nos Açores; visitou Madrid, Barcelona, Paris, Londres “durante a Guerra das Malvinas”; conhece bem Portugal. Contudo, já esteve em muitos mais países. “As outras viagens são feitas através da Fugas.”
Ademar começou a enviar textos para a As fugas dos Leitores há mais ou menos três anos. “Sempre li e gostei até que um dia li com mais atenção e decidi escrever. Foi logo publicado”, recorda. “O meu exercício é porque gosto de escrever, não estou à espera que seja publicado. Sei que depende da oportunidade, da actualidade.” Tanto escreve sobre a sua cidade como de paragens mais distantes e não esquece que um dos textos que mais gostou de ler foi o de uma leitora que perdeu uma chave na serra da Estrela. “Achei interessante como a partir desse episódio conseguiu comunicar.” É o que ele gosta de sentir (e de provocar): “O interesse com uma vivência muito directa dos sítios. Tem mais sentimento.”