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Luís Maio

Ilhas Cíes: A Galiza cada vez mais selvagem

Por Luis Maio

Não há hotéis, não há carros, nem sequer caixotes do lixo. Por isso as ilhas Cíes estão cada vez mais bonitas e selvagens. E garantem um dos mais belos serviços de despertar, improvisado por um batalhão de gaivotas

Reza a lenda galega que Deus, depois de criar o Mundo, escolheu as Ilhas Cíes para descansar ao sétimo dia. A lenda não será original, mas explica por que também chamam Ilhas Afortunadas ou dos Deuses ao arquipélago situado na boca da Ria de Vigo.

Sinal dos tempos, esta conotação romântica tende a ser relegada para segundo plano, ultrapassada na literatura promocional pelo enfoque na praia de Rodas, desde que foi classificada como a mais bonita do mundo pelo diário inglês The Guardian (2007).

Já se sabe que a publicidade tende ao exagero, mas não deixa de ser verdade que Rodas é uma praia fantástica e que as ilhas dimanam uma mística muito particular. Tanto que o pessoal de Vigo, sempre que vêm à baila as inevitáveis comparações com a Corunha, é a este trunfo fora do baralho que mais usualmente recorrem. Os da Corunha, dizem os de Vigo, podem ter os monumentos e a cultura, mas os que eles não têm são as Cíes, a paisagem natural mais bonita e mais visitada da Galiza.

É um argumento imbatível, sem dúvida, mas não deixa de ser um trunfo fora do baralho. Primeiro porque as Cíes não são propriamente um anexo insular de Vigo. Situadas em pleno Atlântico, a quase 15 quilómetros da cidade - são na realidade mais próximas de Baiona (menos de 10 quilómetros), em cuja comarca estavam antigamente inscritas. Depois, porventura mais decisivo, as Cíes são a perfeita antítese dos flagelos urbanísticos que se testemunham em Vigo e arredores. Nada torna esse contraste mais gritante que a hora de viagem que o ferry leva a cobrir a distância entre a cidade e as ilhas. Poucos serão os barcos que em tão pouco tempo transitam literalmente ou quase entre o inferno e o paraíso.

Duas ou três?

As Cíes estão frequentemente cobertas por uma cortina de neblina que deixa vislumbrar pouco mais que as suas silhuetas montanhosas. A experiência onírica começa assim, mesmo antes de o barco acostar. Mas nem tudo é poesia e uma dúvida mais prosaica vai ganhando terreno. O arquipélago, vem escrito em todo o lado, é composto por três ilhas maiores, mas na verdade só duas se vislumbram, uma mais pequena a sul e outra maior, aquela mesma onde o ferry vem a atracar.

Afinal está certo, são mesmo três. Mas as ilhas Monteagudo e El Faro estão ligadas entre si pela praia das Rodas, ao passo que a ilha San Martín está delas separada pelos 500 metros de largura do canal Freu da Porta. O arquipélago é de constituição granítica, resultando de uma falha na direcção norte-sul, ocorrida há milhões de anos no litoral de Pontevedra. A superfície total é de 434 hectares, o perímetro costeiro de 24 quilómetros e o comprimento próximo dos 9 quilómetros.

As Cíes formam o maior dos quatro arquipélagos bordejando as Rias Baixas, em conjunto classificados como Parque Nacional das Ilhas Atlânticas da Galiza em 2002 - por ingrata ironia o mesmo ano da tragédia do Prestige, ainda agora testemunhada nos seus recantos mais remotos. Mas as Cíes têm as praias e, em comparação com o arquipélago de Ons, seu mais directo concorrente (que também se visita de barco), ficam a ganhar por se apurarem menos agrestes e mais densamente arborizadas. Daí serem mais procuradas, não sendo raros os dias de Verão em que atingem a lotação esgotada.

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