A emblemática mezzanine do terceiro andar ainda lá está - e a grande escadaria da entrada, mais o palco, o bengaleiro e o chão de madeira. Tudo empoeirado por causa das obras - mas intacto debaixo do pó. Fechado há 12 anos, o mítico Ritz Club tem reabertura marcada para meados do mês que vem no mesmo sítio que o viu nascer, as imediações do elevador da Glória, em Lisboa.
"Queremos ser o local por excelência dos concertos das bandas portuguesas", diz uma porta-voz da nova gerência, Cláudia Duarte. Com espaço para 400 pessoas, o antigo salão poderá voltar a acolher músicos sem popularidade suficiente para actuar em locais de maior dimensão, como a Aula Magna, mas já com demasiados fãs para ficarem confinados a espaços como o Musicbox, no Cais do Sodré, adianta a mesma responsável.
A música não será, no entanto, o único negócio da casa: "O Ritz não será nem só uma sala de concertos nem só uma discoteca. Irá ser uma sala de espectáculos e clubbing, com DJs. Também poderá servir de palco a conversas sobre filmes que tenham performances associadas". No primeiro piso haverá refeições ligeiras - até tarde, como sempre foi apanágio da casa - e um bar de vinhos. Ainda não foi divulgado em que dias da semana e horários irá o novo Ritz Club funcionar. "A ideia é manter o espírito descontraído de boémia intelectual que o Ritz sempre teve", explica Cláudia Duarte.
A história dos clubes nocturnos de Lisboa dá conta de que já nos anos 20 o número 57 da Rua da Glória era local de culto para os noctívagos. "Foi poiso de artistas, prostitutas, nobres e fadistas. Foi palco de vaudeville e striptease. Dali partiam os soldados para o Ultramar. Ali chegavam os marujos de além-mar", refere um trabalho de Raquel Moleiro publicado no Expressoem 2004.
Entre 1920 e 1930 uma burguesia recém-endinheirada com negócios obscuros feitos durante a I Guerra conseguiu resgatar a capital da sua ancestral modorra. Entre os Restauradores, o Rossio e o Chiado floresceram os clubes nocturnos - uma novidade feita de champanhe, cocaína, bandas de jazz e muito jogo clandestino. Nos seus tempos de casino o Ritz Club chamava-se O Treze da Glória. Depois disso foi Cabaré Montanha e Dancing Concha.
"O jogo contribuía, de forma decisiva, para tornar o clube nocturno num local ambivalente: centro de luxo e de marginalidade civilizada", descreve Júlia Leitão de Barros, na obra Os nightclubs de Lisboa dos anos 20.
O artigo do Expresso conta que o Ritz era um cabaré popular que se gabava de ser o mais barato de Lisboa. Estava sempre em festa: "No palco, a Grande Orquestra Ritz - bateria ao centro, metais alinhados em primeiro plano, ao estilo big band americana - tocava música de baile, tangos, boleros (...)
À uma da manhã começava o espectáculo de vaudeville, somatório de meia dúzia de actuações de outros tantos géneros artísticos. Havia mágicos, acrobatas, cantores, bailarinos, coristas bamboleantes em traje de odaliscas e senhoras generosas desnudadas até ao striptease final".
Décadas depois, nos anos 80, quando o cantor Vitorino, o seu irmão Janita, Maria do Céu Guerra e outros sócios ficam à frente da casa, o Ritz torna-se palco de eventos culturais. É nesta fase que aqui são lançadas bandas como os Da Weasel ou os Blasted Mechanism. Também há representações teatrais.
As noites continuam quentes como sempre, ao som das mornas e outros ritmos cabo-verdianos. A clientela é lesta a galgar a escadaria da entrada - o pior é mesmo descê-la quando a noite já vai longa e o álcool se entranhou nos corpos. Há casais que se conheceram aqui e ainda hoje estão juntos. O imóvel é integrado entretanto no inventário municipal do património - o que não impede que o clube seja obrigado a fechar as portas em 2000, por o velho edifício já não apresentar condições de segurança. Fica à venda por milhão e meio de euros, mas ninguém lhe pega. Vitorino mantém um litígio judicial com o senhorio, que agora arrendou o Ritz a três sócios na casa dos 30 anos e sem ligações ao mundo da música. Foram eles que pagaram o reforço estrutural imprescindível à reabertura.
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