Fugas - restaurantes e bares

  • Rui Gaudêncio
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El Bulli, o templo de Ferran Adrià

Por Luís Antunes

O El Bulli era o templo onde todos os gastrónomos ansiavam por ir. Não era fácil, até porque fechava seis meses por ano e tinha apenas cerca de 50 lugares diários para uns 300 mil pedidos de reserva anuais. Em 2007, Luís Antunes foi um dos felizardos e contou a experiência na Fugas.

A este sítio não se vai por acaso. Depois de anos de leituras, e algumas tentativas frustradas, surgiu a boa nova de uma reserva feita com meses de antecedência, a justificar uma viagem de propósito.

Depois do avião, Barcelona e a estrada para Girona, pode-se tomar fôlego em Roses e atacar os últimos poucos quilómetros até à Cala Montjoi. A paisagem vai-se tornando agreste com o voltear da estrada. Uma beleza dourada de luz do pôr-do-sol faz espelhar o mar e a alma.

A Costa é Brava e também bravia, mas ao chegar ao ermo da Cala Montjoi uma suave serenidade invade o turista, que é tudo menos acidental.

A recepção é incrivelmente afável e ao mesmo tempo responsável. Todos sabem ao que vêm, e ninguém faz má cara à foto de grupo, dos pratos ou em parelha com o chefe, cozinha em azáfama por detrás. Adrià está um pouco mais velho do que as suas últimas fotografias, mas isso estamos todos. Tem um aspecto tisnado, voluntarioso e talvez um pouco cansado. Atrás dele, uma cozinha que poderia servir de passerelle ou laboratório desdobra-se em actividade.

Propomos juntar uns vinhos portugueses à refeição. Juli Soler, o sócio e director de sala, parece desconcertado: "Tantos?" Já o escanção Fredy está feliz. "¡El importante es que disfrutéis!"

Começa a função. Começamos por um Gin Fizz. Brilham os flashes, espuma nos bigodes, algumas expressões de surpresa, ante o cremoso quente da espuma de Gin sobre a limonada meio congelada. Informam-nos: "Vamos servir cerca de 30 preparações, de surpresa. Alguém é alérgico a alguma coisa?"

 

"Como é possível fazer isto?"

Acertam-se os detalhes, os motores da equipa de Adrià vibram tal como a nossa expectativa. A primeira ronda de quitutes mostra que a batalha está ganha. Todos sabem o que esperar de Ferran Adrià: surpresa, ironia, humor. Mas esperar surpresa é um contra-senso. Aí entra o génio deste criador de rupturas. A epistemologia da culinária mudou com este homem.

Há surpresa dentro da surpresa e a ironia é mais fina, o humor mais delicado, as técnicas levadas a um apuro inimaginável e insondável.

Não ocorre perguntar "como é possível fazer isto?", mas sim recostar-se em deleite. É uma refeição intelectualmente desafiante, que nos coloca os sentidos todos em alerta, especialmente a cognição.

Pode-se trincar para encontrar mais um ingrediente, ou gargalhar perante uma memória da juventude, ou percorrer as gengivas a descobrir uma fibra com sabor agri-doce que teima em se agarrar. A tarefa de ligar com vinhos esta sucessão de surpresas é difícil, mas Fredy vai ajudando.

Um champagne ou um grüner-veltliner são mais versáteis, os nossos tintos poderosos resultam em cheio, mas com menos pratos. Faz-se uma pausa para os fumadores, é preciso avisar a cozinha com uns dois pratos de antecedência, que o ritmo é fundamental, e alguns pratos não podem esperar.

Cada novo prato tem instruções simples: "Coma de uma vez," ou "primeiro este em duas dentadas, depois aquele." Até meio da refeição praticamente não há talheres, a partir daí um garfo ou colher ocasional. As travessas e outros utensílios são desenhadas expressamente pela Faces, empresa de design de Adrià.

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