Fugas - restaurantes e bares

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Açorda, a suprema arte de com pouco fazer muito

Por José Augusto Moreira

Em Portel há açordas únicas que se celebram em congresso, se saboreiam durante todo o ano e se podem também aprender a fazer na escola do Refúgio da Vila.

Não é o milagre alentejano, mas antes a suprema arte de com pouco fazer muito. As açordas são uma espécie de prodígio da gastronomia e que bem mostram como nem sempre para os melhores pitéus são necessários os ingredientes mais requintados. Manjar de ricos com coisas de pobres, bem expressam também a arte de com menos fazer melhor, de com engenhosas combinações suprir a falta de carnes.

Água limpa, pão migado, salsa e coentros, dois dentes de alho e um fio de azeite. A receita de base é bem simples, com aquilo que a natureza dá e está ao alcance de todos e que se vai depois enriquecendo a gosto e ao sabor das disponibilidades.

Sempre as houve com os mais diversos ingredientes: dos legumes aos peixes do rio, das carnes de aves às mais ricas e untuosas. E até apenas com algum do bom humor alentejano, como é o caso das “migas de assobio”, que incluem toucinho. Só que em tão reduzidas quantidades que quem tem a sorte de o encontrar o deve anunciar com sonoro assobio.

Esta é precisamente uma das centenas de receitas que regista a Carta Gastronómica do Alentejo, documento que ficou concluído no ano passado por iniciativa da respectiva confraria gastronómica, entidade que em boa hora convocou o saber de especialistas e o labor de diversas associações locais na recolha das mais diversas receitas tradicionais pelos vários concelhos alentejanos.

Entre todos, e no que às açordas diz respeito, há o caso particular de Portel, concelho onde o termo “designa não apenas o prato confeccionado a partir de um piso elementar de coentros, alho e sal (...), mas todos os pratos quentes em cujo caldo se deita pão cortado em fatias”. Assim, e ao contrário do que acontece noutras zonas, tanto o gaspacho como as migas não cabem no conceito das açordas de Portel.

Um particularismo tão assumido que o município se decidiu pela realização anual do Congresso das Açordas. Para celebrar e avivar a tradição local, mas também para presentear os visitantes com a degustação de preciosas receitas em espaço próprio e ambiente a condizer.

Por aí andámos há duas semanas, tendo não só constatado a vitalidade da iniciativa — vai já na oitava edição — como a qualidade e originalidade na confecção das açordas. Deliciosas as variantes com cação, bacalhau ou borrego, mas verdadeiramente arrebatadoras aquelas que congregam as especificidades locais, como a de feijão com cardos bravos. Sabores genuínos e saberes ancestrais a proporcionar verdadeira emoção e prazer gastronómico, mas também o gosto que dá ver os alentejanos saborearem os seus pratos típicos com uma elegância, critério e dignidade que chegam a emocionar.

Cilarcas pela Páscoa

Muito apreciadas por esta época são ainda as cilarcas, cogumelos do montado por vezes referidos como a trufa local, por se encontrarem também debaixo da terra. São usados nas açordas para engrossar o caldo e dar sabor, mas comem-se refogados ou grelhados e salteados com sal. A tradição manda que na Páscoa se coma o borrego com cilarcas, que substituem a batata no ensopado, que é também servido na generalidade dos restaurantes do concelho.

Precisamente para realçar as especificidades do concelho, o município criou a Rota das Açordas de Portel. A par da recolha e divulgação das receitas das dez variedades de açordas mais representativas da tradição, inclui a lista de restaurantes que as servem nas oito localidades do concelho que bordeja grande parte da albufeira de Alqueva.

Para aqueles que não se contentem com saboreá-las e queiram também participar na confecção e aprender a fazer, há um espaço específico para o efeito, mesmo no centro de Portel. Trata-se da escola de cozinha Refúgio da Vila, uma das valências da unidade hoteleira de charme com o mesmo nome que está instalada num amplo palacete completamente recuperado para o efeito.

Lourdes Branquinho, que aprendeu com a mãe, “como toda a gente”, mostra como se fazem as açordas de Portel mas avisa que “têm que ser com o pãozinho e o azeite cá da terra”. No mais, quase não há segredos. A base é o “calducho”, que era a açorda dos pobres e a que agora chamam de alho. Além dos alhos, coentros, poejos e pimento verde, que se esmagam com um fio de azeite, juntando ao pão migado e ao caldo da cozedura. Tudo o que de mais vier é o que enriquece a açorda.

Em Portel dizem que são de “mil e uma variantes”, sendo que “o azeite é a sua alma; o pão é o seu corpo; as ervas aromáticas o seu coração”.

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