Moqueca de bacalhau? E faz sentido? Claro que faz, responde o chef que acaba de abrir o seu terceiro restaurante no Brasil, a Taberna da Esquina, um espaço de petiscos portugueses em São Paulo, que se junta assim às Tascas da Esquina de São Paulo e João Pessoa (Paraíba), para além da Tasca e da Cervejaria da Esquina em Lisboa e da Kitanda da Esquina em Luanda.
“Este é um bom exemplo de uma receita que peguei no Brasil e à qual dei um lado mais português”, diz. “Os brasileiros não fazem moqueca de bacalhau porque existe uma grande mística à volta do bacalhau. Por isso pensei que a melhor coisa seria pegar um prato que eles conhecem bem, que é típico da Bahia, e juntar bacalhau.”
Esta é uma das receitas “lusófonas” que Vítor Sobral criou a pedido da Lusovini, empresa portuguesa de exportação de vinho que está presente nos mercados brasileiro, angolano e moçambicano e que se lembrou de criar um pequeno livro com receitas que cruzassem ingredientes de Portugal e destes países e as harmonizassem com os seus vinhos.
“É, na realidade, um casamento que já existe há séculos”, lembra Sobral. “Há coisas que hoje assumimos como nossas mas que não são de Portugal. As especiarias são o melhor exemplo. Para nós, um pastel de nata ou um arroz doce sem canela não é o pastel de nata ou o arroz doce português. São produtos que fazem parte da nossa cultura, que vemos como nossos mas que não são de cá. Hoje há facilidade em transportar produtos frescos, mas no passado só se transportou o que era possível, os secos, e neste caso as especiarias. “
Mas, tal como os portugueses não pensam muito sobre a origem da canela, também os brasileiros não pensam muito sobre as origens portuguesas da sua cozinha. “Nós desenvolvemos uma forma muito peculiar de cozinhar e do que conheço da Europa somos, juntamente com os italianos, aqueles que têm uma cozinha mais popular. É uma cozinha muito engenhosa, que não é feita de produtos nobres, é a orelha de porco e o toucinho e não o foie-gras.
Apesar de Portugal ser um país pequeno, continua Sobral, tem uma grande variedade, “o litoral, o interior, a cozinha dos ricos, dos pobres, dos remediados, tudo isto dá uma mistura incrível”. Foi com esta cozinha que os portugueses chegaram às colónias – entre as quais o Brasil.
“Quando os portugueses chegaram, os índios sabiam muito pouca coisa. Não sabiam nem estufar, nem guisar, nem assar, nem fazer um refogado. Por incrível que pareça, não sabiam fritar”, afirma o chef. “Tudo isso é feito com a matriz portuguesa mas, claro, usando os produtos locais”, acrescenta Vítor Sobral.
Fala-se pouco sobre isto e, na opinião de Sobral, os portugueses não têm aproveitado as oportunidades para contar esta história, seja no Brasil seja em África. “O calulu é feito como? Ou a moamba? O funge foram eles que inventaram, não tinham arroz, tinham a mandioca à mão, mas se tivessem pão de trigo faziam sopinhas como nós fazemos num ensopado.”
Mas se os portugueses levaram as técnicas, trouxeram depois produtos novos. “Esta mistura lusófona é uma coisa que existe. É preciso chamar a atenção para isso. Há uma mistura muito grande e uma troca fantástica.” Por isso não foi difícil para Sobral reunir o conjunto de receitas para o guia O Vinho à Mesa Sabores da Lusofonia da Lusovini. “São receitas que eu já tinha nos meus restaurantes.