Fugas - restaurantes e bares

  • Nelson Garrido
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Comer Amarante é comer lérias, foguetes ou brisas

A famosa Casa das Lérias fica a poucos metros da Doçaria Mário, ambas numa das mais nobres artérias da cidade, a Cândido dos Reis, ambas com terraços a permitir vistas panorâmicas a abraçar o rio Tâmega. A de Mário está aberta e a vender doce conventual todos os dias. A Casa das Lérias não. Está fechada, assim como está a Confeitaria LaiLai, outro nome importante da tradição amarantina. É o “problema” dos negócios familiares. Nem sempre os herdeiros estão em sintonia e as duas casas históricas da doçaria amarantina parecem votadas ao abandono.

Mário ainda tentou comprar a Casa das Lérias, mas não conseguiu. Comprou a casa ao lado, fez o seu próprio nome e tem a sucessão preparada. Teve a sorte de, entre os cinco filhos, ter encontrado nas filhas Madalena e Antónia, gémeas, quem tivesse vontade e empenho. “Quando a mãe morreu, elas desistiram de estudar e agarraram-se a isto”, conta Mário, alegando que as gémeas sempre se deram bem com as gemas. Tinham 19 anos. Hoje têm 51. “É uma vida doce. Mas às vezes amarga”, diz-nos Antónia, referindo-se à prisão dos dias, ininterruptos. Ou seria Madalena? São gémeas verdadeiras. Das que sorriem quando um cliente da casa lhes vem pedir uma caixa de “Mários”, em vez do lhes chamar pelo nome verdadeiro — as lérias.

Mas não há perigo de lhes mudar o nome. A tradição ainda é o que a ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica) continuar a deixar que seja — “Já tivemos uma centena de galinhas para nos dar os ovos. Agora não podemos comprar ovos a galinhas do campo. Só ovos certificados”, diz Mário. Por isso, e só se a ASAE obrigar, é que deixarão de fabricar as lérias, as brisas e os foguetes, os papos de anjo e os São Gonçalo como manda a tradição, com ovos mesmo. “Já cá têm vindo bater à porta, mas gema líquida e ovo em pó não entram”, assegura Mário.

Ponte, no centro de tudo

Se a Doçaria Mário vai fazer 60 anos, ao fundo da rua, e no ponto mais central da cidade, fica a Confeitaria da Ponte, que já assinalou 130 anos. Ricardo Ribeiro comprou-a há pouco mais de cinco ao padrinho de baptismo, José Pinheiro Ribeiro (conhecido como Zé da Ponte). O padrinho aprendeu a arte na Casa das Lérias, assim como José Mota, um dos quatro doceiros que Ricardo Ribeiro está a gerir na sua equipa. Mota começou há 43 anos, quando tinha apenas dez, a aprender com Alcino dos Reis. Já saiu três vezes da Confeitaria da Ponte, mas acaba sempre por voltar. Gosta do que faz.

Mota estende a folha de hóstia, recheia-a com o doce de ovos, humedece as bordas com um pano, fecha-as e recorta-as; e, num abrir e fechar de olhos, o tabuleiro já tem mais um papo de anjo. “São os mais procurados”; assegura Ricardo Ribeiro. Quando estiver pronto pode ir preencher uma caixa de doce conventual e ser vendido ao quilo. Ou então ser degustado à unidade, que os turistas começam a encomendar sucessivamente, pedindo para acompanhar com um café, mas também com um copo de branco ou de tinto.

Há umas décadas o gosto era o mesmo, mas os subterfúgios eram diferentes: as senhoras pediam bules de chá gelado, para que ninguém percebesse que estavam a acompanhar os doces conventuais com um copo de vinho branco geladinho. “Estes doces acompanham tudo. Vão bem com café, com tinto, com verde branco”, assegura Ricardo, garantindo que vai reflectir essa realidade nos menus turísticos que está a preparar. 

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