Enquanto andava por Portugal a fazer um levantamento etnográfico da música portuguesa para o seu projecto A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria, o realizador Tiago Pereira acabava inevitavelmente sentado à mesa com as pessoas que tinha acabado de entrevistar e filmar. E foi nesses encontros, entre petiscos e um copo de vinho, que pensou que faria todo o sentido lançar-se noutro projecto, desta vez A Comida Portuguesa a Gostar Dela Própria – que foi tornado público hoje e que passará a poder ser visto em breve no site do PÚBLICO.
Numa conversa telefónica, Tiago conta que a ideia surgiu mais precisamente à frente de um prato com papas de milho, redenho, que é a gordura pegada aos intestinos do porco, e açúcar amarelo, que lhe foi oferecido por uma família na aldeia de Vilarinho de São Roque, em Albergaria-a-Velha. Acho aquilo “de tal forma incrível” que à medida que ia gravando a música pensava que faria sentido fazer uma recolha etnográfica da gastronomia portuguesa.
“Há formas de comer que ainda desconhecemos”, diz. “Há muitas coisas no dia-a-dia que nós não vemos, nem sequer nos livros da Maria de Lourdes Modesto”. E são pratos e receitas que continuam vivos. “O que eu estou a fazer não é uma arqueologia de receitas”, sublinha. Notou, por outro lado, uma diferença em relação à música: “Enquanto na música percebemos sempre as contaminações que foi sofrendo, na comida isso não acontece, as receitas vieram da avó ou da bisavó e sofreram poucas alterações”.
O projecto pôde finalmente ganhar vida porque Tiago encontrou o parceiro certo para o apoiar: o Esporão. Foi uma parceria que “surgiu de uma forma muito natural e orgânica”, explica Catarina Santos, gestora de marketing e comunicação do Esporão. “Temos acompanhado de perto o projecto A Música Portuguesa a Gostar dela Própria que consideramos de enorme valor. A primeira parceria com o Tiago Pereira ocorreu no primeiro Dia Grande do Esporão (em Junho de 2015) e, desde então, criámos vários eventos de fins de tarde na Herdade (no Alentejo). Como consequência desta relação, fomos desafiados a materializar uma nova abordagem etnográfica, desta vez relacionada com a gastronomia, que decidimos abraçar com todo o entusiasmo.”
Até porque, refere Catarina Santos, “a gastronomia é indissociável do negócio” da herdade, que tem nos vinhos e no azeite os seus dois principais produtos. “O trabalho de registo e partilha de tradições e novos olhares gastronómicos vai num sentido que para nós é fundamental – o da preservação de memória e do património imaterial português.”
O projecto será constituído por um vídeo principal por mês, num total de 15, em que será apresentada uma receita ou uma forma de cozinhar um ingrediente que seja característica de uma região e uma reinterpretação dessa mesma receita por um chef. O primeiro episódio centra-se no litão de Olhão. “É um peixe seco que é considerado o bacalhau dos pobres e que em Olhão é comido na noite de Natal”, conta Tiago.
A versão tradicional da confecção do litão é explicada por Toni, natural de Olhão, e a receita é depois feita por André Magalhães, um dos sócios da Taberna da Rua das Flores, em Lisboa (e que é também o conselheiro gastronómico de todo o projecto), que introduz um ingrediente que não é habitualmente usado: as algas da Ria Formosa. É uma forma de usar um produto local pouco aproveitado e com grande potencial, integrando-o num prato tradicional. No segundo episódio o chef convidado será o alentejano José Júlio Vintém, do restaurante Tomba Lobos, em Portalegre, que irá cozinhar um borrego.