Mas regressemos ao jantar e ao primeiro prato que foi servido: lírio dos Açores, trabalhado por Matteo Ferrantino, com diferentes texturas de couve-flor e gengibre, numa composição que parecia um quadro e em que, apesar dos sabores fortes, o lírio, em fatias finas, brilhava, mostrando todo o seu potencial.
Nos Açores a pesca de arrasto é proibida, explicou Pedro Bastos e perto de 80% das capturas de lírio, um peixe cada vez mais “na moda”, são feitas precisamente em águas açorianas. “É pescado à linha e está neste jantar porque é importante promover a pesca artesanal”.
Leonardo Pereira pegou no camarão da costa, pescado no Algarve a grande profundidade, e serviu-o num “prato de coisas cruas”, como ele próprio o descreveu, com capuchinhas, dióspiro e um molho feito com “tripas de peixe rei preservadas durante sete meses”. O resultado foi um conjunto de sabores intensamente verdes intercalados pela doçura do dióspiro e uma outra doçura diferente, a das gambas.
Apesar de este camarão estar na lista vermelha de espécies em risco da Greenpeace, Pedro Bastos tem um argumento para o incluir: “É pescado a 30 milhas do hotel, enquanto nós andamos a importar marisco de todo o mundo.”
Henrique Sá Pessoa apresentou um prato que tem na carta do Alma, choco com puré de ervilhas e caril verde num caldo de galinha. Seguiu-se um prato que vinha apresentado como “bacalhau português” e que era, na realidade, abrótea. O que Pedro Bastos queria provar com a escolha deste peixe é que a paixão que os portugueses têm por bacalhau, que obriga a importá-lo em enormes quantidades, poderia ser, pelo menos em parte, canalizada para algum entusiasmo relativamente à abrótea, que tem bastantes semelhanças com o peixe vindo das águas frias do Norte.
“É considerada o bacalhau do Sul da Europa e é da mesma família, os gadiformes”, esclarece. “Temos aqui um peixe que é fascinante e é português. E ignoramos o nosso bacalhau”. Coube a Pedro Pena Bastos, do Esporão, a tarefa de realçar essas semelhanças e fê-lo tratando a abrótea inicialmente com uma breve cura de sal, para lhe dar maior firmeza (como se faz no Algarve com a abrótea arrepiada), e servindo-a com um fundo de peixe ligado com natas e champanhe.
Mais difícil foi o desafio feito ao chef anfitrião João Oliveira. Coube-lhe a boga, um peixe pelo qual alguns dos presentes confessaram não ter grande simpatia. “É difícil de comercializar porque é um peixe que se degrada rapidamente”, segundo Pedro Bastos. “Mas é da família dos sargos, safios e besugos e se estes são bons…”.
João Oliveira recheou-a com funcho e criou um molho de alcaparras com um creme de natas e cebolas caramelizadas – sabores intensos para um peixe que também os tem e que se revelou o menos consensual da noite.
Por fim chegou à mesa a sobremesa de castanha, clementina e cacau, inspirada pelo Outono – um trabalho de Maria João Malheiro, jovem chef de pastelaria que trabalhou em Paris com Alain Passard (3 estrelas Michelin) e em Portugal no Ocean (2 estrelas), o restaurante do Vila Vita Parc, e que acaba de abrir a sua Confeitaria de Alvor.
Foi ela também responsável pelos irresistíveis pães de sementes, algas e centeio que foram devorados por todos, acompanhados por uma surpreendente manteiga, trazida pelo chef do Esporão, envelhecida durante 30 dias.