Nos anos 1970 houve uma revolução na gastronomia basca. Juan Mari Arzak, pai de Elena — já considerada a Melhor Mulher Chef do Mundo, pela revista Restaurant, a mesma que escolhe os 50 Melhores Restaurantes — foi uma das figuras, juntamente com Pedro Subijana, à frente daquela a que chamaram a Nova Cozinha Basca.
Elena, que era então uma criança, cresceu e começou a trabalhar com o pai no restaurante Arzak, hoje com três estrelas Michelin, que mantém há já 27 anos. “Sou a quarta geração da minha família no restaurante, que foi fundado em 1897”, diz, com orgulho, numa conversa com a Fugas durante a sua passagem por Portugal para uma apresentação no festival Peixe em Lisboa. “O meu pai trabalhou com a mãe dele, eu trabalho com ele, e antes disso houve o meu bisavô.”
E, segundo Elena, há um segredo para o sucesso: “O respeito pelas gerações anteriores, pelo trabalho delas, é preciso ver o que fizeram e dar-lhe continuidade.” A isto junta-se “o respeito pelo que está à tua volta, os produtos da terra”. Sentada numa das bancadas do auditório do Peixe em Lisboa, num momento de pausa, recorda como o movimento da Nova Cozinha Basca, influenciado pelos chefs franceses, nomeadamente Paul Bocuse e a Nouvelle Cuisine francesa, mudou muita coisa.
“O meu pai e Pedro Subijana quiseram fazer em San Sebastian algo parecido com o que tinha sido feito em França. Puseram em ordem as receitas que se tinham desviado do original, corrigiram os ingredientes que se estavam a usar mal, os tempos de cozedura demasiado longos. E, ao mesmo tempo, alargaram o leque de ingredientes, usando coisas que não se usavam antes na cozinha basca, frutas exóticas, especiarias”, conta Elena. Além disso, “aproximaram a cozinha das pessoas, iam às povoações, ensinavam, faziam demonstrações — e funcionou.”
É por isso que, quando hoje as pessoas visitam o País Basco e pensam que a cozinha começou a mudar nos últimos cinco ou dez anos, Elena faz questão de lhes explicar que esta é uma história muito mais antiga — e ela conhece-a bem porque cresceu nela. E recorda, sorrindo, como a avó se preocupava ao ver o pai introduzir inovações: “Dizia-lhe ‘Juan Mari, vê lá o que fazes, não me vás esvaziar o restaurante’.”
Actualmente é cada vez mais Elena — que recebeu a distinção de Melhor Mulher Chef em 2014, o que pôs os pais a chorar (“eles, que lutaram tanto por mim e me viram fazer mudanças arriscadas, mas sempre acreditaram em mim”) — quem está ao comando do Arzak e, na apresentação que fez no Peixe em Lisboa, falou da necessidade de continuar a mudar e do momento actual. É tempo de “redescobrir, reciclar, reencontrar” e mais uma série de “res”, que se conjugam numa expressão “Re-Arzak”. “Estamos numa fase de repensar, analisar tudo o que temos feito e reivindicar a felicidade.”
Mas sempre mantendo a tal fidelidade ao trabalho das gerações anteriores e às coisas que para Elena são fundamentais, como a visita ao mercado para escolher os produtos da estação, e, sobretudo, o peixe. “No Arzak vão sempre encontrar a mesma matéria-prima, se vierem no Verão vão comer atum”, garante. A par disso, há todo o lado de inovação que acontece no laboratório do Arzak. Mas, sublinha, “a criatividade tem que ser organizada, se não perde-se muito tempo e energia”.
Durante os dias que passou em Portugal — e onde reencontrou muitos amigos, entre os quais a jovem chef Ana Moura, do restaurante lisboeta Cave 23, que estagiou no Arzak e que apoiou Elena na apresentação no Peixe em Lisboa — esteve em vários restaurantes e não esconde o entusiasmo com o que encontrou. “A cozinha basca é muito ligada ao mar e à terra, aos produtores e aos mercados. Penso que é também um pouco assim em Portugal.”
Fala do trabalho de José Avillez, “um embaixador da cozinha portuguesa”, de Dieter Koschina no algarvio Vila Joya, de Nuno Mendes em Londres, de Leonel Pereira com o São Gabriel, no Algarve, de André Magalhães e a sua Taberna da Rua das Flores, em Lisboa, de Ana Moura. “Estou muito orgulhosa que uma rapariga que esteve connosco tenha a sua própria personalidade e faça uma cozinha portuguesa moderna.”
Elogia o facto de haver “muita gente jovem” a trabalhar na cozinha portuguesa e diz acreditar que “isso já se começa a saber no mundo”. “Portugal está a transformar-se num destino gastronómico, não só pela cozinha tradicional, que é muito boa, há um trabalho espectacular com o bacalhau e os arrozes, mas também pela contemporânea. A nós, bascos, inicialmente só nos conheciam pela cozinha tradicional e hoje as duas coexistem perfeitamente”, assegura.
Mais
Relacionados
“Portugal está a transformar-se num destino gastronómico”