Estar a cozinhar aqui no Funchal, ao lado de outros chefs, não é uma novidade porque vem com frequência à Rota das Estrelas. “Cozinhar assim é muito bom. Vemos outros produtos, outras técnicas e isso dá inspiração. Uso essa inspiração para fazer pratos novos no restaurante onde trabalho.”
E nos tempos livres há “as lapas da Madeira, grelhadas, com manteiga e salsa”. “Adoro. Provas o mar.”
Começámos pela descrição da terrina mas ela só foi servida depois de uma entrada preparada pelo chef executivo da casa, Luís Pestana (trouxa crocante com gema de ovo biológico, puré de batata com trufa de Nórcia e parmesão).
Ao prato de Van der Kroft seguiu-se o de Ricardo Costa, chef executivo do Yeatman, em Gaia (com uma estrela Michelin): salmonete braseado, e cozinhado durante seis minutos a 52º, terrina de cozido, talharim de choco e caldo dashi (com sementes de sésamo e molho de soja). “Tentei ligar um cozido à portuguesa com um salmonete; um prato forte com uma coisa mais ligeira, algo ocidental, com algo mais português... Não é um prato cheio de grande técnica, tinha chocos, percebes, algas, o sabor do mar com um bocadinho do sabor da terra, sem um se sobrepor ao outro.”
Inicialmente ia fazer um peixe espada com maracujá e milho frito, sabores típicos da ilha. “Mas era mais difícil chegar aqui e fazer um jantar para 60 pessoas com um prato que não fazemos todos os dias, numa cozinha diferente, com uma equipa diferente. Por isso trouxemos um prato que temos no menu.”
Foi sobretudo o mar que Joachim Koerper, do Eleven, em Lisboa, (e que faz a curadoria do William), colocou no prato pensado especialmente para a ocasião: lavagante assado e descascado, uma tira fina de crocante, feito com as cascas trituradas, e maionese. Este é um produto que Koerper (também com uma estrela Michelin) gosta de ter sempre na carta porque “o lavagante tem um sabor extremamente fino e intenso”. “Tem mais sabor que a lagosta.” E como “na estrutura do menu faltava um marisco”...
Seguiu-se a terra, com a matança do porco de João Rodrigues, do restaurante Feitoria, também em Lisboa (uma estrela Michelin). Quando conversamos no dia seguinte parece ter o indicador com sangue. São ainda vestígios da beterraba que usou no prato precisamente com essa finalidade: trazer através da cor o dramatismo e a violência da matança do porco. Em cima da loiça branca estão por isso salpicos encarnados, do “sangue” de beterraba. Mas quando serve a sua matança, em Lisboa ou no Reid’s, a encenação começa ainda antes. Um pedaço de carvão arde em cima de uma rocha escura, com a ajuda de um pouco de gordura de porco: o fumo e o cheiro leva-nos de um salto para as fogueiras.
“Parece que as pessoas se viraram contra o mundo da proteína animal e a tendência é para cozinhar cada vez mais com legumes”, explica. “Mas se não soubermos a origem de um vegetal, seja ele qual for, podemos também estar a ingerir algo que seja nefasto, como todos os transgénicos, ou produtos de cultivo extensivo. O mesmo se passa em relação às carnes: quando não sabemos a alimentação que o animal teve, a maneira como é tratado, a forma como é abatido, manipulado, guardado, podemos sofrer as consequências. Para mim, as coisas funcionam se houver um equilíbrio entre os pratos da balança.”