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As novas queijarias, mais industriais, como a da Ínsua ou a que o ex-ministro Jorge Coelho acaba de montar em Mangualde, apenas se podem permitir a trazer uma maior escala. São obrigadas a respeitar os mesmo trâmites de produção, sob pena de não conseguirem pôr nas prateleiras um queijo Serra da Estrela com certificação DOP (Denominação de Origem Protegida): leite fresco produzido por ovelhas da raça Bordaleira Serra da Estrela e ou Churra Mondegueira, produzido na área geográfica delimitada de produção (que abrange 18 concelhos e uma área de 3142 quilómetros quadrados).
Maria do Céu manda-me lavar as mãos e pôr, literalmente, a mão na massa. Ou melhor, no queijo. A actividade que se segue é o dessoramento, isto é, tirar o soro (líquido) daquele coalho, soro esse que é recolhido e será depois transformado em requeijão. O coalho que tenho entre as mãos, envolto num pano de tecido que me empenho em espremer sobre a mesa, está morno (na verdade está a 30 graus). “Devem ser as mulheres a fazer este trabalho, porque a temperatura do corpo é sempre mais elevada. Quando estão com o período menstrual é demasiado elevada, é preciso andarem sempre a molhar as mãos, para as arrefecer”, explica José Matias.
“Não torça o pano, menina!”, apressa-se a corrigir Virgínia, quando eu me preparava para tirar o soro ao coalho como quem torce um pano de roupa. É com paciência, determinação, que se vai espremendo aos poucos, pressionando aquela amálgama no interior do pano contra a mesa,várias vezes, mudando de posição. O soro não pára de sair. Nem quando, já muito espremido o coalho, o coloco dentro do recipiente que vai dar a forma ao queijo. Há sempre soro a sair (abençoados requeijões aí virão). Está na altura de reabrir o pano e começar a picar aquele coalho, soltá-lo, de forma a preencher os espaços livres que encontre com mais matéria-prima. O objectivo é fazer um queijo firme, sem buracos. A missão é continuar a retirar o soro, pressionando-o, enquanto o moldamos à forma, pressionando com mais vigor na borda da forma. Fazê-lo e repeti-lo, virar a forma, fazer e repetir, revirar.
Maria do Céu já tinha feito dois ou três quando a minha inexperiência a convencia que também já poderia tentar desenformar o meu. E tal qual faço com um bolo, tirei o queijo da forma e fiquei a olhá-lo sob a palma da minha mão. Já era um queijo bonito. O período de maturação a que se sujeitaria nos próximos dias, num mínimo de 40, dar-lhe-á o sabor. Coloco-lhe a marca de certificação, um holograma com um número de série produzido pela Casa da Moeda. Aquele é o “meu” queijo. Vai estar pronto para o Natal.
A maturação é o período essencial para o sabor e a qualidade do queijo. Duas semanas numa câmara climatizada entre os seis a oito graus de temperatura, e a humidade a exceder os 90%. Os queijos estão colocados sob tábuas de pinho seco, e todos os dias são lavados e virados. Passam depois para outra sala, agora mais aquecida, entre os 12 e 13 graus e a humidade mais baixa, abaixo dos 65%. Se fica 40, cem ou 120 dias, vai definir se é um Serra da Estrela DOP, ou um Serra da Estrela Velho DOP — também conhecido como queijo corno. É assim que são feitos todos os Queijos Serra da Estrela. Alguns serão ainda feitos à lareira, outros não poderão dar a garantia de que o leite é todo proveniente de ovelhas daquela raça específica (há 65 mil ovelhas na região, mas só 14 mil é que são raça bordaleira Serra da estrela), ou até daquela região (há quem compre leite em Espanha!). Alguns queijos não chegam, por isso a ser Serra da Estrela. São, só, Queijo Serra — sendo que essa denominação não só não está protegida como não existe legalmente. Pela força da lei, esses queijos deveriam indicar que são “queijo de ovelha amanteigado curado”.