A comida tem um som? Claro que sim, sobretudo se envolver os Sampladélicos, que vão fazer um concerto audiovisual-performance multimédia para mostrar isso mesmo. Os Sampladélicos são Tiago Pereira, realizador e responsável pelos projectos d’ A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria e A Comida Portuguesa a Gostar dela Própria, e Sílvio Rosado, designer, músico, compositor e artista visual.
A eles junta-se agora André Magalhães, da Taberna da Rua das Flores, e o resultado desta aventura será, além do concerto, um jantar no Museu de Portimão no dia 20 de Dezembro – integrado no ciclo de arte e gastronomia Fazer Render o Peixe, que faz parte do programa 365 Algarve, iniciado em Outubro e que se prolonga até Maio. A ideia desde projecto, lançado por André de Quiroga, é, através de exposições, performances, concertos e jantares temáticos, dinamizar o Algarve durante a época baixa e valorizar os produtos endógenos.
Sílvio, Tiago e André visitaram produtores locais, ouviram histórias de tradições, gravaram conversas, imagens e sons sobre formas antigas de fazer. Da remistura destes registos resulta o concerto-performance Os Antípodas da Gastronomia. Num movimento oposto ao dos concursos de cozinha que vemos na televisão e a um tipo de mediatização da gastronomia, o que os três fizeram foi “ouvir os saberes ancestrais” da produção, por exemplo, dos enchidos de Monchique ou da aguardente de medronho.
Uns dias antes dos jantares em Portimão, André Magalhães fez, em Lisboa, uma apresentação dos pratos que concebeu para este projecto, começando com um picadinho de carapau que remete para os carapaus alimados algarvios, mas que neste caso são apenas escalfados com uma água de tomate quente que é colocada já no prato. A seguir, veio um xarém de camarão à moda da Louisiana (shrimp and grits), uma brincadeira com o xarém (papas de milho) do Algarve e bolinhas de salsicha que são uma alusão à andouille usada pelos americanos.
O prato seguinte vai buscar algo de muito familiar para os algarvios: os jantarinhos. Neste caso, é um guisado com chícharos (uma leguminosa “prima” do tremoço), a que se junta sempre arroz, segundo explicou a André uma das senhoras entrevistadas, com pézinhos de porco e vinagre de vinho tinto e hortelã, porque a hortelã é presença indispensável em vários pratos do Sul, como o famoso cozido de grão. Por fim, para a sobremesa, André lembrou-se do baba au rum e, voltando a brincar com os cruzamentos de receitas e produtos, criou um doce parecido, mas feito com carolo de milho e, claro, medronho em vez do rum.
Durante o concerto, o “taberneiro” da Rua das Flores vai estar a cozinhar algumas destas coisas e os sons que sairão, por exemplo, da mó para moer o milho ou da cataplana serão integrados noutros sons e imagens que Tiago e Silvio estarão a trabalhar, seguindo a filosofia do projecto dos Sampladélicos: “uma encenação do possível a partir dos conceitos pessoais de cada um do que é a tradição e o património”. E não esquecendo a máxima que os guia: “Não nos deixeis cair em tradição”.