Ninguém diria que o senhor António tinha tanta agilidade. Mas assim que se sentou no carrinho improvisado — uma tábua de madeira com um ferro de cada lado presos a um gancho que desliza por um fio de metal — parecia um campeão de uma nova modalidade desportiva. Zás, zás, zás, quase deitado, com a ajuda das mãos agarradas ao fio, fez o carrinho deslizar rapidamente por cima do rio Minho até à pesqueira. Num piscar de olhos já estava do outro lado.
O meio de transporte é uma invenção recente, ao contrário das pesqueiras, cuja origem se perde na história — as primeiras referências documentadas são do século XII. Podem ter sido feitas pelos povos castrejos que habitavam as margens do rio Minho e que já trabalhavam a pedra e o ferro. O que se sabe é que eram utilizadas pelos romanos da mesma forma como continuam a ser utilizadas hoje, para a pesca daquela que é considerada uma das maiores iguarias da região: a lampreia.
São estruturas em pedra, relativamente altas, de um lado e do outro do rio (ou seja, do lado português e do espanhol). É para essa zona mais alta, o piau, que sobem os pescadores para puxar as redes. Entre uma e outra construção, existe o rabo da pesqueira, um conjunto de pedras que forma um obstáculo a meio do rio, impedindo a subida das lampreias.
Os peixes são obrigados a desviar-se, procuram a zona mais favorável para continuar a subida e é precisamente aí que encontram a rede ou botirão. Entram por um canal central e depois passam para outra zona da qual já não conseguem sair, enredando-se na rede. É durante as noites frias de Inverno que António faz as redes. “Ponho-me em casa à quenturinha do fogão e faço crochet”, conta. “Aprendi porque estava no café e via outros a fazer. Inventei até que deu certo”, diz, enquanto explica como são feitos os nós, a distância a que têm que ficar uns dos outros e como se vai aumentando a boca da rede para a lampreia poder entrar.
Estamos em Alvaredo, próximo de Melgaço, com dois pescadores de lampreia, António Araújo, mais velho, e Diogo Castro, que tem 29 anos mas herdou dos tios o gosto por vir até ao rio ver se há lampreias. É uma tradição das gentes daqui desde sempre, inicialmente sobretudo por razões de sobrevivência — no tempo em que, nestes primeiros meses do ano, o rio se enchia de lampreias, quem vivia aqui comia lampreia dia sim, dia sim.
Hoje é diferente. A lampreia, um animal que desperta ódios e paixões — ou se adora ou se detesta, dizem-nos todos com quem falamos —, tornou-se um ícone gastronómico do Minho, encareceu (os pescadores estavam a vendê-la a 25 euros e os restaurantes por vezes a 70 euros) e estamos precisamente nos três meses de degustação de lampreia do rio Minho (entre 15 de Janeiro e 15 de Abril, aos fins-de-semana, nos restaurantes da região).
O problema, explicam António e Diogo, é que este ano há muito pouca lampreia. As redes que são colocadas nas pesqueiras estão muitas vezes vazias quando eles aqui chegam de manhazinha cedo. Há pouco peixe a subir o rio para vir desovar. Isto porque não choveu o suficiente durante o Inverno, não houve cheias, e as lampreias que andam no mar não apanharam as correntes de água doce que as trazem até ao rio Minho.