Fugas - restaurantes e bares

DR

A Galiza encontrou-se na cozinha atlântica

Por Alexandra Prado Coelho

Com “irmãos” com tanta personalidade como a Catalunha e o País Basco, a Galiza precisou de encontrar a sua identidade gastronómica própria. O Atlântico deu-lhe o que precisava para isso.

“Quisemos ir mais além e definimo-nos como cozinha atlântica do Noroeste”. Marcos Cerqueiro e Iago Pazos estão a fazer a apresentação do seu projecto Abastos 2.0 — que já conta com cinco restaurantes, quatro na Galiza e um em Madrid — no Fórum Gastronómico da Corunha (12 a 14 de Março) e procuram a melhor definição para o que fazem.

Se a cozinha da Corunha se afirmou nos últimos anos como uma cozinha atlântica, forma de se distinguir das de outras regiões espanholas, cozinheiros da nova geração, como Marcos e Iago procuram afinar a definição, buscando uma identidade ainda mais precisa, que se concentra numa palavra: Noroeste.

A Espanha viveu nas últimas décadas uma revolução gastronómica que a projectou no mundo através sobretudo da Catalunha e do País Basco. Não era fácil para outras regiões, como a Galiza, afirmarem-se perante a força com que chefs e restaurantes catalães e bascos surgiram.

“A Galiza é conhecida em Espanha por ter um produto de grande qualidade e uma cozinha tradicional muito forte, mas até há pouco não era conhecida por uma cozinha mais actual, mais evoluída”, diz Jorge Guitian, galego e autor do respeitado blogue Diario del Gourmet de Províncias e del Perro Gastrónomo. “A partir de meados dos anos 1980 surgiram algumas cozinheiras, todas mulheres, que criaram as bases da cozinha moderna galega. E nos anos 1990 aparece o Grupo Nove, a primeira geração que faz uma cozinha galega de vanguarda de forma consciente.”

Pepe Solla, do restaurante Casa Solla, em Pontevedra, é uma das figuras mais destacadas deste grupo, que continua activo, reunindo hoje 24 cozinheiros/projectos, e que se apresentou no Fórum Gastronómico da Catalunha para receber palmas entusiásticas de uma plateia cheia. “Há 14 anos, quando surgimos, a gastronomia na Galiza não era tão reconhecida”, confirma o chef. “Era preciso dar o salto porque havia muita gente nova a aparecer.”

O que foi determinante para o sucesso foi a capacidade que esses primeiros nove cozinheiros tiveram para se unir — e, sobretudo, manter essa unidade durante tantos anos e com o grupo a crescer. “Há que lutar por esse carinho. Temos que gostar uns dos outros”, sublinha Pepe. Isso foi muito importante porque a mudança nunca é fácil, houve resistências e o facto de “haver várias pessoas a contar a mesma história” permitiu que a situação se alterasse.

Um aspecto que ajudava, por um lado, mas dificultava, por outro, a afirmação da Corunha era o facto de a região se destacar sempre pela qualidade dos seus produtos. “A cozinha tradicional aqui distingue-se pelo produto”, explica o crítico gastronómico Carlos Maribona, do jornal ABC. “O mar é fundamental, o melhor peixe está aqui, a carne sempre foi também muito boa, tal como as verduras. Mas isso só se reflectia na cozinha tradicional. Agora, os jovens chefs estão muito centrados no produto, mas fazendo uma cozinha mais moderna.”

O Fórum Gastronómico é uma prova dessa vitalidade das novas gerações, acredita Maribona. “As primeiras edições eram mais internacionais e a deste ano centrou-se na cozinha da Galiza. Tirando a presença de dois chefs portugueses [Henrique Sá Pessoa e Alexandre Silva] que formam quase parte da paisagem da Galiza, há pouca presença de chefs de fora. Aliás, o que a geração de cozinheiros jovens está a fazer aqui é muito semelhante ao que se tem passado em Portugal nos últimos dez anos.”

--%>